Ainda que afete cerca de 20 milhões de cidadãos, seja a quarta causa de internação no país e todo ano leve à morte 2 mil pessoas, a asma não é encarada exatamente como um problema sério por aqui — sobretudo entre aqueles que não convivem com a doença por trás de falta de ar, tosse e chiado no peito.
Esse é um dos principais achados da pesquisa A Asma na Visão e na Vida dos Brasileiros, iniciativa da revista SAÚDE, da área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril e da biofarmacêutica AstraZeneca, com o apoio da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) e da Fundação ProAr.
O levantamento contempla dados e respostas de 1 810 adultos de diferentes faixas etárias, representando todas as regiões do Brasil. Realizado via internet, traz percepções e equívocos do público em geral, assim como retrata o relativo desconhecimento sobre o tema mesmo entre os indivíduos com asma.
“Não enxergar a gravidade da doença é um ponto crítico, afinal ela mata brasileiros todos os dias”, avalia o médico alergista Flávio Sano, presidente da Asbai. “O paciente precisa ser orientado desde o diagnóstico para entender que se trata de uma condição inflamatória crônica, ou seja, que requer tratamento prolongado”, defende.
Essa conscientização é um fator-chave para domar a asma e não perder qualidade de vida. “Num paralelo com quem sofre de hipertensão, quando a medicação faz efeito e a pressão fica normal, a pessoa não pode achar que deixou de ser hipertensa”, compara o pneumologista José Eduardo Cançado, da SBPT. “Da mesma forma, alguém com asma, num período de ausência de crise, com respiração normal, não deve negligenciar as recomendações médicas, sob pena de ver os sintomas voltarem”, alerta.
Aliás, manifestações típicas da asma e de outros problemas respiratórios, como tosse e chiado, foram relatados por 42% dos 1 600 respondentes não diagnosticados com a doença. E o que preocupa é que metade desse grupo nem sequer procurou um serviço de saúde para checar a razão dos incômodos.
A demora para o diagnóstico correto é um entrave até mesmo para quem vai atrás do médico: 70% dos 210 portadores de asma foram informados de que tinham outra enfermidade antes de se bater o martelo sobre a presença da condição. “Uma das confusões comuns é ligar a falta de fôlego e a tosse à bronquite, que é uma inflamação mais geral nos brônquios”, explica o pneumologista Álvaro Cruz, da Fundação ProAr.
“A asma é mais específica, com certo padrão de recorrência e, na maior parte das vezes, associada à alergia”, esclarece. Nesses casos, a hipersensibilidade do aparelho respiratório leva a uma contração dos músculos em torno dos brônquios, causando a sensação de opressão no peito e respiração ofegante.
Outro ponto que chama a atenção na pesquisa é o fato de 40% dos respondentes com asma revelarem nunca ter se submetido a uma prova de função pulmonar, a espirometria, capaz de constatar obstruções nas vias que levam o ar aos pulmões. Esse teste é especialmente indicado para investigar a fundo as formas mais graves da asma, quando não há resposta às medicações. A bem da verdade, 15% desse público nem ao menos passou por uma radiografia do tórax, refletindo, assim, a subutilização de exames cruciais para o monitoramento do quadro e a prescrição de um plano terapêutico.
De acordo com Cruz, o sucesso do tratamento depende da identificação correta do tipo de asma. “Estamos falando de uma doença heterogênea, com predominância de manifestações na infância e de características alérgicas. Mas há também aquelas em que não se detecta nenhuma alergia e outros casos associados à obesidade”, conta o especialista.
Além disso, a frequência das crises — se elas se manifestam de forma contínua ou dão as caras algumas vezes ao longo do ano — também influencia as decisões para o controle do problema.
As consequências da falta de informação sobre asma
As lacunas de conhecimento sobre a asma fazem com que mais da metade dos respondentes sem a doença declare não saber sequer reconhecer uma crise. E boa parcela desse público tampouco tem ideia de que providências tomar diante de uma emergência do tipo — situação na qual, recomendam os experts, a pessoa tem que ser acalmada, ficar numa posição confortável e fazer uso de seu medicamento broncodilatador, a popular bombinha, até ser levada ao pronto-socorro mais próximo.
É também por desconhecimento que a prática de exercícios não é identificada por 34% do grupo com asma como fator de proteção contra a enfermidade. “A criança com esse problema muitas vezes é estigmatizada e deixada de lado nas aulas de educação física”, observa Cançado.
“Isso é um erro porque, com a doença sob controle, a atividade física amplia a capacidade respiratória. Não por acaso há pessoas que sofreram com crises de asma na infância, trataram, incluíram o exercício na vida e hoje são atletas de alta performance”, ilustra o médico.
A pesquisa aponta, ainda, que 73% dos pacientes admitem não seguir todas as recomendações dadas em consultório. E isso, por sua vez, pode ajudar a entender outro achado perturbador: seis em cada dez dos participantes com asma foram internados devido a complicações no quadro em algum momento da vida — e 22% deles passaram um período no hospital no mínimo sete vezes.
Não para por aí: mais da metade desse grupo teve que recorrer a pelo menos uma consulta médica de urgência no último ano. “Essas pessoas estão tratando os sintomas, mas não a doença”, interpreta Cruz.
O curioso é que, apesar do cenário alarmante, 67% dos pacientes acreditam estar com a doença controlada. “Alguns têm a percepção de que o problema só existe quando percebem os brônquios fechando”, nota Cançado. “Aí, quando saem da crise e sentem o alívio, julgam, erroneamente, ter tudo sob controle”, alerta.
Como andam o tratamento e o caminho para o controle da doença
O alergista Flávio Sano destaca outro dado que pode ser ligado à alta taxa de hospitalização: 47% das pessoas com asma relatam não fazer uso regular de medicações para prevenir as crises. O preço dos remédios, bem como sua disponibilidade nos postos de saúde, é uma das barreiras apontadas para a falta de adesão aos medicamentos.
Mas Sano visualiza outra explicação: “Algumas pessoas ficam tão acostumadas às limitações impostas pela doença que acabam relaxando e não investem no tratamento”. É preciso vencer a inércia. Seguir o plano do médico como manda o figurino só agregará qualidade de vida.
O manejo da asma envolve duas classes de fármacos, utilizados por dispositivos inalatórios (as bombinhas). “A base é o uso de anti-inflamatório de manutenção, com corticoide. Como são inalados, esses medicamentos chegam direto à parede dos pulmões e têm poucos efeitos colaterais”, ensina Cançado. “A bombinha com broncodilatador, por sua vez, é prescrita para as crises, ou seja, busca alivar os sintomas”, diferencia.
Cançado lamenta, porém, que, no Brasil, as pessoas tendem a abusar desse segundo tipo. “Aí tem gente que passa mal e acusa a bombinha de ser ineficiente e incômoda. Até entre profissionais de saúde ocorre esse equívoco”, revela. Para a equação do tratamento ter um saldo positivo, o paciente deveria aderir mais a medicações e atitudes que previnem as crises.
Se quisermos zerar a mortalidade associada às crises de asma, a exemplo do que já ocorre em países como a Finlândia, a estratégia inclui disseminar conhecimento com campanhas de esclarecimento e conscientizar o paciente nas tomadas de decisão. “Uma coisa é certa: quem precisa ir duas ou três vezes no ano ao pronto-socorro está colocando a vida em risco. Temos de mudar essa cultura”, afirma Cruz.
A mudança passa por informar direito a população, capacitar melhor os profissionais da área e engajar pacientes e família. Exige fôlego, sim, mas é o único caminho para botar a asma no devido controle.