Especialista em endometriose, a ginecologista Flávia Fairbanks vinha observando há anos que uma consequência específica dessa encrenca estava sendo negligenciada. Enquanto as dores e mesmo a infertilidade eram alvos dos tratamentos, eventuais disfunções sexuais ficavam em segundo plano ou sequer recebiam a atenção dos especialistas.
“As mulheres com esse problema nunca se sentiam plenamente atendidas quanto às suas questões sexuais”, recorda-se Flávia, que participa do Projeto Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para ter uma ideia clara de quanto a endometriose afetava a vida sob os lençóis, ela recrutou mais de 500 mulheres — algumas com e outras sem a enfermidade.
Embora esperasse uma diferença entre os grupos, Flávia ficou surpresa com os resultados. Em comparação com voluntárias saudáveis, as vítimas da endometriose corriam um risco mais do que duas vezes maior de apresentar alguma queixa significativa com relação ao sexo. Para sermos exatos, 43,3% das pacientes reportaram dor durante a penetração, falta de interesse, dificuldade acima do normal para ter um orgasmo…
Antes de chegar às razões por trás disso, primeiro é importante compreender a endometriose, que atinge 10% do público feminino. Em resumo, ela dá as caras quando partes do endométrio saem do útero e extravasam para as demais áreas da pelve (como bexiga e ovário). Esse tecido fora do lugar ocasiona dores fortes e pode alterar a anatomia da região, o que contribui para a infertilidade.
“Essa mudança na anatomia, que às vezes exige cirurgia, tornaria a relação sexual desconfortável”, explica Flávia. Além disso, os incômodos constantes, associados a eventuais dificuldades para engravidar, bagunçam a cabeça e, assim, jogam o desejo para longe. Aliás, vale a pena ressaltar que a endometriose é relacionada à ansiedade e à depressão — dois quadros que costumam piorar o sexo.
Há ainda outro aspecto importante e menos debatido: determinados tratamentos para essa chateação interferem na excitação ou na lubrificação da vagina, por exemplo. A própria pílula anticoncepcional foi atrelada a prejuízos nas funções sexuais entre mulheres com endometriose. “Isso não é uma preocupação tão comum entre ginecologistas. Às vezes a gente acha que ajudou quando, na verdade, criou outro problema”, afirma.
Como reacender o fogo
O primeiro ponto é, de fato, abordar o assunto. Sim, converse sobre sexo no consultório — você pode fazer isso aos poucos, conforme ganhar confiança no médico. Também é necessário abrir o jogo com o parceiro e envolvê-lo na discussão. “A ansiedade provocada pela dor e pela dificuldade de engravidar pode comprometer um relacionamento se não houver diálogo e cumplicidade”, avisa Flávia.
Ainda é imprescindível que a paciente passe por uma boa avaliação médica. Um profissional é capaz de identificar outras doenças por trás da endometriose ou dos sintomas reportados — e, junto com a mulher, estabelecer o melhor tratamento.
Às vezes, a psicoterapia entra em cena para vencer barreiras com relação à sexualidade e para lidar com a tensão ou a melancolia. Até a fisioterapia pode ajudar! Com um realinhamento da bacia, é possível minimizar certas dores e, assim, esquentar a noite.
O recado de Flávia, no fim, é não se concentrar apenas na cólica, embora resolvê-la seja fundamental. “Notei uma aceitação muita boa das pacientes em falar de sua vida sexual. Temos de estimular isso”, conclui.