A repórter que vos escreve sabe bem a falta que um dente faz. Logo cedo, descobri ser portadora de agenesia dental, o jeito técnico de dizer que nasci destinada a não ter um dos integrantes da arcada dentária. Um implante resolveria a malformação, mas só poderia ser feito depois do 18º aniversário, quando terminasse o crescimento dos ossos da face. Foram anos de próteses móveis, aparelho ortodôntico para abrir espaço ao futuro procedimento e um certo grau de bullying na escola — os colegas iam trocando a dentição de leite e minha janelinha seguia aberta.
Quando atingi a maturidade, enfim, me submeti à instalação do “novo dente”. A vida mudou, ao menos por um tempo. Poucos anos depois, o parafuso que dá guarida ao implante infeccionou por falta de cuidados e teve que ser retirado. Coloquei uma prótese fixada nas laterais dos dentes vizinhos, com um especialista escolhido a dedo, mas sonho com um novo implante — conheço na prática seus predicados.
Como desdentada, não estou sozinha. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 39 milhões de pessoas usam prótese no país e 16 milhões já perderam todos os dentes. A agenesia não é a causa mais comum. Na maior parte dos casos, o problema é a falta de atenção com a saúde bucal mesmo. Começa com uma cárie ou uma gengivite, que vai passando despercebida (ou nem tanto) por anos, até que o problema afeta as estruturas mais profundas, incluindo a raiz que une o dente ao osso. “Valorizamos muito o sorriso, mas não o dentista. São raras as pessoas que frequentam esse profissional como deveriam”, analisa Gustavo Issas, membro da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD) e diretor da clínica Personal Odontologia, em São Paulo. Quando um comprometimento é ignorado a ponto de virar incorrigível, o dente cai ou precisa ser arrancado.
Isso posto, dá para entender por que somos um dos principais mercados de implantes dentários do mundo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo), em 2019 foram comercializados 2,7 milhões de implantes no país. A expansão do acesso também traz seus dilemas. “Algumas empresas acabam priorizando lucro em detrimento de boa indicação, planejamento e profissionais treinados”, avisa o odontologista Marcelo Romano, professor da Universidade de São Paulo (USP). Separar o joio do trigo pode ser complicado — mas nada que estar munido de boas informações não possa corrigir.
Os implantes surgiram no final dos anos 1960, quando estudos liderados por Per-Ingvar Brånemark, um ortopedista sueco, culminaram no advento da osseointegração. “Testando parafusos para cirurgias de coluna, ele descobriu que um dos materiais, o titânio, se unia ao osso de maneira que não soltava depois”, conta a odontologista Andréa Cândido dos Reis, professora e pesquisadora da USP de Ribeirão Preto. Com o achado, seria mais viável substituir estruturas que faltam no corpo, entre elas os dentes.
No início, usavam-se parafusos maiores, que exigiam um arcabouço ósseo robusto. Isso limitava a aplicação da técnica porque, quando o dente é perdido, o osso que o segura tende a ir embora junto. Os parafusos foram diminuindo até demais, a ponto de caírem por não fixarem bem. “Não entendíamos direito como funcionava essa integração, mas agora podemos dizer que essa é uma das áreas em que houve mais avanços”, destaca Andréa, uma das criadoras de um mini-implante de 2 milímetros de comprimento, que dispensa o enxerto ósseo e também atua como broca, o que torna o procedimento todo menos invasivo.
Hoje, a tendência é ter parafusos ainda mais amigáveis ao osso. No final de 2019, chegou ao mercado a Plenum, uma empresa com ares de Vale do Silício, que imprime a peça com titânio em pó. E que diferença isso faz? “Conseguimos tornar a superfície mais rugosa, com uma geometria que se assemelha ao osso, então as células-tronco em circulação que passam por ali aderem ao material mais facilmente, estimulando a formação óssea”, relata o odontologista Alberto Blay, CEO da empresa. Outra vantagem são alterações que facilitam o travamento do implante.
Explicamos: logo que o dentista rosqueia o parafuso na boca do paciente, ele já deve apresentar alguma firmeza. Quando a ancoragem não ocorre como deveria, há risco de problemas. Por outro lado, quando é bem sucedida, dá para aplicar na mesma operação a prótese definitiva, ou poucos dias depois. É a chamada carga imediata, que faz sucesso porque, na técnica mais convencional, é preciso aguardar alguns meses entre a colocação do pino e a do dente. “Ela é muito desejada, mas é complicado garantir ao paciente que será realizada antes da operação em si, porque depende muito dessa capacidade de estabilização primária”, esclarece Romano.
A fixação não está atrelada apenas ao parafuso, mas também à saúde bucal do indivíduo. “Mesmo se os exames pré-operatórios apontarem que ele tem o volume de osso necessário, a qualidade pode não ser o suficiente, mas isso só vemos no momento da intervenção”, explica a cirurgiã-dentista Fernanda Oliani Marur, da Oral Sin, uma das principais redes de franquia de implantes do país — a marca realiza 30 mil cirurgias por mês.
Mesmo quando a prótese rápida não é viável, sacadas como a da Plenum aceleram o tratamento. “Entre as mudanças, o material se torna mais hidrofílico, isto é, atraente para a água, o que traz sangue para o local”, destaca Romano. Com mais circulação, chegam também as células que promovem cicatrização e crescimento dos tecidos. Assim, se antes era preciso esperar meses para instalar a prótese definitiva, hoje tudo pode ser feito em menos de 30 dias.
Além da rapidez, entender as particularidades de cada boca é outro grande insight. E está mais democrático o acesso ao planejamento virtual da cirurgia. “Com tomografias e outros exames, conseguimos escanear a boca do paciente para identificar o melhor lugar e ângulo para a inserção do parafuso, reduzindo cortes, sangramentos e o uso de anestésicos. Assim, a cirurgia fica menos traumática”, explica Fernanda.
–A tendência na implantodontia é realmente mais personalização. “A impressão 3D torna possível, por exemplo, escanear o tecido do paciente para criar um implante mais adequado a ele”, cita Andréa, que vê essa área da odontologia cada vez mais precisa e high-tech. “Por meio da física quântica, podemos cortar a superfície do material de modo a repelir a adesão de bactérias e atrair mais células ósseas ao local”, revela. Sim, o futuro também passa por mais segurança.
Do futuro para o presente, novas soluções já são apresentadas àquelas pessoas que precisam realizar um enxerto para repor o osso perdido antes de instalar o implante em si. Em geral, isso é feito inserindo nas lacunas do tecido um preparado de grânulos de hidroxiapatita, mineral à base de cálcio de origem animal, humana ou sintética. Recentemente, porém, chegou ao mercado o Osstion, material desenvolvido por cientistas brasileiros com uma proposta diferente. Trata-se de um biopolímero totalmente reabsorvível, construído para estimular o corpo a produzir seu próprio osso.
“Nosso composto sinaliza ao organismo que naquele local as células devem formar tecido ósseo, e contém apenas 30% de mineral, para dar um pontapé inicial no processo”, explica André Helmeister, CEO da Bioactive, fabricante da novidade. Entre as vantagens, a regeneração é mais rápida, em três meses (ante seis do modelo tradicional), e o manuseio, mais simples e seguro. “Atualmente, o dentista recebe o enxerto em pó e precisa fazer uma mistura com um líquido, enquanto nosso produto já vem em pasta numa seringa, pronto para ser aplicado, o que diminui o risco de contaminação”, destaca Helmeister. O procedimento dura 20 minutos. Já o enxerto tradicional leva até três horas.
A Plenum também avança nas pesquisas nesse departamento. Atualmente, a empresa busca a aprovação de um bloco de biocerâmica impresso em 3D para restabelecer o volume ósseo perdido. Seria um enxerto 2.0, impresso sob medida. “Uma vez aprovado o bloco-padrão na Anvisa, será possível comercializar peças individuais e produzi-las em larga escala”, diz Blay, que vislumbra uma era em que raciocínios e tecnologias semelhantes serão expandidos a próteses de joelho, quadril etc.
Na hora de escolher
O fato é que, entre versões mais convencionais e as de última geração, existem dezenas de tipos de parafusos, próteses e técnicas para fazer implantes. Em meio a tantas novidades e campanhas de marketing agressivas, não é fácil distinguir nomes bonitos de métodos realmente eficazes. Assim, a primeira orientação diz respeito à própria indicação do implante: desconfie de profissionais que recomendam trocar sem pestanejar qualquer dente original antes de uma avaliação minuciosa. “É sempre melhor preservar o dente do paciente, e há diversos jeitos de fazer isso, mas vemos hoje casos de extração sem necessidade que beiram a mutilação”, alerta Romano.
Preços muito baixos em relação à média do mercado também devem chamar a atenção, pois podem indicar materiais piores ou uso de mão de obra menos qualificada. “O paciente costuma chegar com o orçamento para negociar, mas se esquece de perguntar há quanto tempo a clínica está em atividade, que materiais usa e se os dentistas têm especialização em implante”, nota Fernanda. “O que custa mais é o profissional, já que uma boa formação na área leva anos para ser concluída”, pontua Issas. Por fim, de nada adianta pagar caro e não cuidar bem do investimento, ignorando a higiene e a manutenção. A repórter que o diga.
Para durar, é preciso cuidar
Um implante bem-feito pode ser facilmente esquecido pelo usuário, mas não deveria. Veja como mantê-lo firme e forte:
Higiene especial: Os cuidados são os mesmos: escovação e uso do fio dental. Dependendo do grau de retração da gengiva ou da prótese, é necessário lançar mão de escovinhas e uma espécie de agulha para guiar o fio.
Atenção ao bruxismo: O ato de apertar as gengivas à noite gera uma tensão que pode desestabilizar e até fraturar o parafuso. O ideal nesse caso é usar uma placa de contenção que relaxa a musculatura local.
Visitas ao dentista: A recomendação geral é ir duas vezes ao ano ao profissional. Quem tem implantes pode precisar de consultas de acompanhamento a cada três ou quatro meses, que vão se espaçando com o tempo.
Cinco motivos para considerar um implante
As vantagens não se resumem à estética:
Aparência e confiança: Os buracos no sorriso derrubam a autoestima e trazem insegurança na hora de namorar, trabalhar e interagir com amigos.
Falar mais e melhor: Uma pesquisa da Edelman Insights de 2018 mostra que 41% das pessoas que perderam um ou mais dentes têm dificuldades de pronúncia.
Mastigação garantida: Mesmo com outros tipos de prótese, a biomecânica da mastigação é afetada, pois é preciso evitar usar as partes frágeis da arcada.
Maior resistência: Se bem cuidado, o implante pode durar décadas e até a vida toda. As alternativas a ele costumam sobreviver poucos anos.
Encaixe perfeito: Quem usa pontes removíveis e dentaduras sabe bem como elas são trabalhosas e desconfortáveis. O implante é imperceptível.
As novas tecnologias do setor
Graças a elas, o procedimento está mais ágil e menos invasivo:
Regeneração óssea: Os novos enxertos estimulam as células-tronco em circulação a regenerarem o osso. Isso melhora a integração do parafuso que segura o implante.
Parafuso de cerâmica: O material é mais discreto (quando a gengiva está muito retraída, o titânio pode deixar uma sombra), mas pode falhar no quesito biomecânica.
Carga imediata: Com parafusos melhores, ela ficou mais fácil, mas nem sempre é indicada. Desconfie de quem promete o implante instantâneo logo de cara.
Implante curto: Os parafusos menores, para espaços apertados, funcionam melhor nos idosos, por causa de características fisiológicas. Dispensam o enxerto ósseo.
Superfície inteligente: Tecnologias como a impressão 3D permitem manipular o material do pino em escala nanométrica, tornando a estrutura mais amigável para o osso.
Quando a troca não é possível
A maioria das pessoas pode se submeter ao procedimento, mas há contraindicações. Além de crianças e adolescentes, são elas: presença de diabetes ou outras doenças crônicas descompensadas e tabagismo. Nessas situações, a solução é se valer das próteses de cerâmica fixadas nos dentes vizinhos. Dão um pouco mais de trabalho, mas restauram boa parte da capacidade de mastigação e o sorriso.
Do buraco ao implante
Em um país com milhões de desdentados, acesso ainda é problema, apesar de até a rede pública oferecer…
No SUS: Em teoria, o implante é fornecido na rede pública. Mas um levantamento realizado em 2016 aponta que somente 30 mil foram realizados entre 2011 e 2014.
A terceira idade: Quatro em cada dez brasileiros acima dos 60 anos já perdeu todos os dentes da boca, aponta o IBGE. É preciso redobrar os cuidados ao envelhecer.
Taxa de sucesso: O implante dá certo em até 98% das vezes, desde que seja bem executado. Mesmo se tiver algum problema, é possível refazer o procedimento.