Um aforismo atribuído ao cineasta americano Woody Allen, de 85 anos, diz: “Velhice? Acho ótima, considerando a alternativa”. A geneticista Mayana Zatz, de 74, concorda. Todos os dias, a coordenadora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP) pula da cama e caminha 5 km. Também procura se alimentar bem — “Não sempre, mas frequentemente”. Um dos motivos de cuidar da saúde é se manter na ativa no laboratório.
“Nunca trabalhei tanto”, diz ela, que admite não ter passatempos. “Meu hobby é a pesquisa.” Autora de incontáveis estudos, ela acaba de lançar O Legado dos Genes (Objetiva), em parceria com a jornalista Martha San Juan França. A obra explica e exemplifica como os genes e o estilo de vida influenciam o envelhecimento.
Juntas, as autoras entrevistaram dezenas de pessoas acima dos 80, como o físico José Goldemberg, de 93, e a professora de literatura Cleonice Berardinelli, de 105. “Sou mais feliz hoje do que era quando jovem”, declarou o jornalista Zuenir Ventura, de 90, um dos ouvidos. Nesta conversa, ela comenta alguns aprendizados.
VEJA SAÚDE: Há algum segredo para ter uma velhice realmente saudável?
Mayana Zatz: Não tem segredo. Quem pretende chegar bem ao final da vida, sem doenças, queixas ou dores, deve manter-se ativo, fazer exercícios, cuidar da alimentação, cultivar hobbies, ler muito… A maneira mais adequada de envelhecer é não resistir aos desafios, é ter disposição para guinadas e sair da zona de conforto para se dedicar a novas habilidades.
Há uma anedota sobre o violoncelista catalão Pablo Casals (1876-1973). Quando ele tinha 80 anos, um jovem aluno lhe perguntou por que continuava a praticar com tanto afinco. “Por quê?”, indagou. “Porque quero tocar cada vez melhor!”
A partir de que idade devemos começar a nos preparar para envelhecer bem?
A partir dos 30, e os mais jovens não costumam pensar muito nisso. É consenso entre os médicos que, para ter saúde, devemos nos manter ativos fisicamente. O sedentarismo é prejudicial porque causa obesidade, hipertensão, entre outras doenças.
E, no Brasil, 53,5% das mulheres e 40,4% dos homens admitem não praticar nenhuma atividade física. Cuidar da saúde mental também é importante. Não basta aumentar a quantidade de vida. Temos que melhorar a qualidade de vida.
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De tudo que aprendeu sobre longevidade em seus estudos, o que destacaria?
Sempre me perguntei: o que faz uma pessoa passar dos 80, conservar sua capacidade cognitiva e continuar ativa e saudável? Hoje a gente sabe que, para um indivíduo envelhecer bem, o ambiente é responsável por 80% e a genética por 20%. O que é muito bom.
Afinal, o ambiente é mais fácil de controlar do que a genética. Basta adotar um estilo de vida saudável. No futuro, teremos condições, com a edição de genes, de controlar o DNA também. Mas é importante entender que ficar velho não significa ficar doente.
Das entrevistas que fizeram para o livro, alguma a marcou mais?
Os octogenários que entrevistamos têm aquilo que os franceses chamam de joie de vivre, a alegria de viver. São pessoas otimistas, de bem com a vida. Das entrevistas que fiz, a que mais me marcou foi com um senhor de 101 anos, muito lúcido, que sobreviveu aos horrores de um campo de concentração. Diferentemente dos outros, passou por uma tragédia indescritível. Quando ele conta como conseguiu escapar de Auschwitz, é impossível não se emocionar.
O Legado dos Genes
Autoras: Mayana Zatz e Martha San Juan França
Editora: Objetiva
Páginas: 160
O que a senhora projeta para a medicina do futuro?
Poderemos prever se somos suscetíveis a algumas condições que surgem em idade mais avançada, como Parkinson, hipertensão ou diabetes, por exemplo. Teremos a possibilidade de antever doenças e personalizar tratamentos. A medicina personalizada será uma revolução na maneira como as medicações são administradas, pois os remédios serão receitados de acordo com o perfil genômico do paciente.
Seu passatempo também é fazer pesquisa. O que anda investigando neste momento?
Depois de estudar os octogenários, meu foco agora são os centenários. Coletamos amostras de sangue de 95 nonagenários e de 15 centenários que resistiram à Covid-19. Tiveram formas leves da doença ou, então, ficaram assintomáticos.
Uma das voluntárias, de 114 anos, teve Covid e ficou curada. Estamos investigando os chamados “genes protetores”, presentes nesses centenários saudáveis. São genes que resistem a qualquer desaforo do ambiente. Quem são eles? O que fazem? Que proteína codificam? É o que estamos tentando descobrir.
Qual é o inimigo número 1 do cientista brasileiro?
A burocracia, a falta de verbas, os baixos salários…
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Que balanço faz da sua vida após escrever este livro?
Me considero uma pessoa feliz. Não sinto o peso da idade. Tenho filhos e netos maravilhosos. Sou ativa. Sempre procurei levar uma vida saudável, com exercícios diários e alimentação balanceada. Minha dieta é rica em frutas e verduras, e há muito parei de comer carne vermelha.
Além disso, desde jovem, trabalho muito. Aliás, nunca trabalhei tanto e, como atuo em diferentes áreas, tenho que manter o cérebro conectado o tempo todo. Quando você é jovem, tende a se preocupar com bobagens. Depois de certa idade, descobre que isso não vale a pena.
Na obra, a senhora lembra que os japoneses criaram uma palavra para designar aquilo pelo qual vale viver — ikigai. Qual é o seu?
Meu sentido da vida é, como cientista, buscar respostas para as perguntas que faço e encontrar tratamento para as doenças que estudo. O que me motiva a viver é a possibilidade de modificar genes que causam doenças. No momento, isso já é possível com algumas doenças hematológicas.
Mas, no futuro, queremos ensinar o sistema imunológico de um paciente, por exemplo, a identificar o tumor como algo a ser destruído. Por enquanto, ele não reconhece, e, por essa razão, o tumor cresce.