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A escritora Valéria Polizzi conta como é conviver com o HIV

A autora do livro "Depois Daquela Viagem" conta como foi infectada pelo HIV e como é sua relação com esse vírus

Por Chloé Pinheiro (colaboradora)
Atualizado em 1 dez 2016, 15h30 - Publicado em 18 set 2013, 22h00
Por Chloé Pinheiro
Em 1997, Valéria, então com 26 anos, estampou a capa da revista CAPRICHO, chamando a atenção das jovens leitoras para a aids (/)
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Nos anos 1980, ser infectado pelo vírus HIV era algo tão incomum e carregado de preconceitos que os jornais e revistas chamavam esse invasor de peste gay. Isso porque os primeiros casos da doença foram registrados entre os homossexuais. Ninguém sabia muito bem como tratar o problema e nem se imaginava que uma adolescente poderia contrair o micro-organismo por trás da síndrome ao ter sua primeira relação sexual.

Foi exatamente nessa época, em 1989, que a escritora Valéria Polizzi descobriu ser portadora do vírus que ainda contamina sete mil pessoas por dia no mundo. Se antes ela era exceção, hoje o cenário é bem diferente: quase metade dos soropositivos pertence à ala feminina. O modo como a ciência e a sociedade lidaram com a aids nessas últimas décadas mudou radicalmente. E Valéria acompanhou todo esse processo: do terror inicial aos avanços tecnológicos, passando pelo grande interesse da imprensa sobre o assunto além do salto na sobrevida dos infectados. Abaixo, a escritora descreve a rotina de quem diariamente precisa lidar com a aids.
Saúde: Como você foi infectada pelo vírus?
Valéria: Contraí o HIV do meu primeiro namorado, quando tinha 16 anos. Contudo, só fui diagnosticada em 1989, aos 18, fazendo exames para tratar uma dor de estômago. Na época, a aids era conhecida como doença de gays e encarada como sinônimo de morte. Fiquei totalmente perdida ao receber o resultado. Até os médicos estranhavam uma garota com o vírus. Não se sabia muito sobre o problema e o preconceito era enorme.
Ler também: 6 destaques sobre a aids em 2016
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Qual foi a sua reação?
Por conta da falta de perspectiva, acabei abandonando a faculdade e parei de planejar o futuro. O isolamento era uma característica da doença. Os próprios médicos aconselhavam a não contarmos para qualquer pessoa que tínhamos o vírus. Isso porque muitos perdiam seus empregos e crianças eram expulsas da escola só por serem soropositivas.
Entretanto, foi esse cenário de desespero que me fez escrever o livro Depois Daquela Viagem (Editora Ática). Enquanto escrevia, repensei minha visão sobre a aids e isso me fortaleceu. Após seu lançamento, surgiram convites para palestras, o que se tornou um trabalho por vários anos, e a paixão pela escrita se instalou de vez, abrindo novos caminhos. Não ter mais que esconder que tinha o vírus foi um enorme alívio.
Como a aids era tratada pela imprensa na época em que você contraiu a doença?
Com muito preconceito. As reportagens sempre associavam aids à morte, usavam palavras pejorativas para se referir aos doentes e nas reportagens da televisão colocavam até música triste de fundo. As campanhas publicitárias dessa época também eram terríveis. Com o intuito de assustar para conscientizar, acabavam prejudicando quem já tinha o vírus.
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O SUS (Sistema Único de Saúde) sempre custeou os medicamentos? 
Sim. Quando isso não acontecia, as pessoas entravam com recursos na justiça e passavam a receber os remédios necessários. O governo aprendeu que saía mais barato distribuir os comprimidos, mesmo que de alto custo, do que arcar com o número crescente de internações. Fora isso, estudos demonstram que um soropositivo em tratamento adequado consegue baixar o nível de vírus circulante no sangue e nas secreções genitais a níveis indetectáveis.
Na prática, isso não anula, mas aproxima do zero a possibilidade de transmissão do HIV. É claro que não se pode deixar a camisinha de lado, mas esse é mais um forte argumento para distribuir e tomar o coquetel antirretroviral corretamente.
Leia também: Novo tratamento contra o HIV está chegando ao SUS
Suas expectativas e planos de vida mudaram nos últimos 20 anos? 
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Totalmente. Ano após o pânico do diagnóstico, em 1993, aos 22 anos, estudei inglês na Califórnia, nos Estados Unidos, por seis meses. Foi essa viagem que começou a mudar minha vida. Na época, enquanto no Brasil só se dizia “a aids mata”, lá já se falava em pessoas vivendo com o HIV.
Foi lá também que conheci grupos de apoio a soropositivos e ativistas que lutavam pelos seus direitos. Isso me fez perceber que tudo isso era uma questão cultural e, logo, poderia ser mudada no Brasil também. Foi uma das minhas motivações para escrever o livro. Depois, com a chegada do coquetel, em 1997, tive que reaprender a fazer planos. Voltei a cursar uma faculdade aos 33 anos, publiquei outros livros e em 2010 concluí uma pós-graduação. Investir em uma carreira e relacionamento a longo prazo também foram outras coisas que tive que aprender.
Como é a sua vida agora? 
Atualmente me divido entre Brasil e Áustria. Meu marido é austríaco, soronegativo e nos conhecemos numa viagem à Nova Zelândia em 1998. Ele aceitou o fato de eu ter HIV e de lá pra cá tem sido uma longa história de namoro, viagens, casamento, mudança de país, separação e volta.
Quando estou no Brasil, aproveito para curtir minha família, ver amigos e dar palestras. Também acompanho de perto o espetáculo teatral Depois Daquela Viagem, baseado no meu livro. Quando estou na Áustria, aproveito a companhia do meu marido e viajamos sempre que possível. É a nossa grande paixão. Não importa o lugar onde eu esteja: sempre levo meus compridos comigo, faço exercícios e me alimento de forma balanceada. Muitos livros para ler e um canto para escrever também são essenciais.
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Hoje, quais são as principais dificuldades para aderir ao tratamento?
Tomo 10 comprimidos por dia em média há 14 anos. E agradeço que eles existam, pois venho de uma época em que nem remédio para o HIV tinha. Então, claro que ingerir menos fármacos por dia é melhor. Só não podemos esquecer que o soropositivo acaba precisando de outras drogas.
Eu, por exemplo, tomo uma para os rins e dois antidepressivos. Para mim, o mais difícil é lidar com os efeitos colaterais do coquetel antirretroviral. Entre eles, um dos mais comuns é a lipodistrofia (síndrome que altera a distribuição de gordura pelo corpo e aumenta o colesterol).É por esse motivo que pratico exercícios físicos regularmente.
Você acredita que ainda existe um estigma em torno do soropositivo?
Infelizmente sim, embora ele seja bem menor do que há dez anos. Quem tem aids ainda não fala sobre o assunto por medo de se isolar. Mas, como sempre digo, o primeiro preconceito que devemos vencer é o nosso. A partir do momento em que aceito que tenho o HIV, me fortaleço, transfiro essa segurança para o outro e as pessoas tendem a me tratar melhor.
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Com os avanços na sobrevida e no tratamento, você acredita que o cuidado com prevenção diminuiu?
Sim, acredito que diminuiu bastante. Independentemente disso, grande parte da população sempre achou e continua achando que HIV é coisa do outro. As pessoas pensam “nunca vai acontecer na minha família, na minha casa…” É por esse motivo que defendo a educação sexual contínua nas escolas para ajudar a prevenir não só a aids, mas todas as doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada.
Você vive no exterior há muitos anos, sente diferença no modo como o soropositivo é visto por aí?
Ainda ontem vi aqui na Áustria um documentário sobre uma alemã que, como eu, infectou-se na adolescência e lida até hoje com o vírus. Como viver com uma doença que não tem cura, a dificuldade em não poder se falar abertamente sobre o assunto durante muitos anos e como reaprender a fazer planos são questões que todo soropositivo em tratamento se faz em qualquer lugar do mundo.
Mas não podemos nos esquecer de que existem vários países onde as pessoas não tem acesso aos medicamentos. Ou seja, elas ainda vivem o que nós vivíamos há 20 anos no Brasil: uma doença sem perspectiva nenhuma.
Você acredita que um dia a ciência chegará a uma vacina ou cura?
Não me preocupo muito com isso. Vire e mexe surge uma nova promessa. Quando algo concreto for liberado, aí poderemos comemorar. Por ora, já está de bom tamanho poder encarar a aids como uma doença crônica, que tem tratamento.
O que você gostaria de dizer aos jovens que não conviveram com o impacto inicial da aids?
Que o HIV continua entre nós e, apesar de existir tratamento, é muito mais simples prevenir do que tomar vários comprimidos ao dia e ter que lidar com os efeitos colaterais. É fundamental conversar com nossos parceiros sobre a questão do uso da camisinha. E quem fez sexo sem proteção deve fazer o exame do HIV. Essas medidas ajudam a repensar nosso comportamento.
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