Entre os dias 13 e 17 de setembro, a cidade de Barcelona, na Espanha, sediou a última edição do congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (Esmo), que contou com a participação de 34 mil especialistas em câncer.
Médicos de todo o planeta se reuniram para discutir novos estudos que podem mudar a forma como tumores são tratados, promovendo maior qualidade e expectativa de vida para pacientes de todos os perfis.
“É um evento essencial para a atualização dos profissionais da oncologia”, afirma Thiago Jorge, oncologista e coordenador do Programa de Inovação em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. “O que vemos por aqui rende semanas de reflexão sobre o que e como pode ser aplicado no nosso dia a dia e na realidade brasileira”, resume.
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É o que o médico Daniel Musse, da Oncologia D’Or, também busca em eventos internacionais. “Um dos destaques dos congressos europeus é que há uma grande preocupação com o acesso às novas drogas, a sustentabilidade do sistema de saúde e o uso racional dos medicamentos”, explica.
A seguir, confira alguns destaques das mais de 300 palestras e 2 mil trabalhos submetidos e apresentados no evento.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsApp1. Glioblastoma: novidades contra o tumor cerebral difícil de tratar
Estudos iniciais indicam novos caminhos para tratar cânceres cerebrais, que costumam ter prognóstico ruim e baixa taxa de sobrevida.
A biofarmacêutica alemã CureVac apresentou dados da primeira fase de estudos em humanos de uma vacina de RNA mensageiro (mRNA) contra glioblastomas multiformes, que são um tipo de malignidade que atinge o cérebro de forma bastante agressiva.
A fórmula, chamada CVGBM, não é uma vacina comum, como as de Covid-19, que busca prevenir a doença. Ela é uma imunoterapia, isto é, um medicamento que visa despertar o sistema imunológico de pessoas diagnosticadas com câncer, ajudando-o a reconhecer, reduzir e até mesmo eliminar o tumor.
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Respostas imunológicas foram observadas em 77% dos pacientes avaliados – e, desses, 84% tiveram a ação das células T ativadas, um efeito muito importante para o combate da doença.
Outra pesquisa avaliou o uso de células CAR-T, modificadas geneticamente para localizar e atacacar uma proteína que está bastante presente em alguns casos de glioblastoma recorrente, a B7H3.
A doença foi controlada em todos os sete pacientes submetidos ao tratamento experimental e os principais efeitos adversos foram febre (92%) e dor de cabeça (15%). Os estudos sobre essa técnica para a doença devem continuar.
“Ainda que muitas etapas sejam necessárias para que esses tratamentos sejam de fato aprovados, essas são as melhores notícias que temos a respeito de avanços no manejo do glioblastoma em muitas décadas”, comemora Jorge.
2. Câncer anal
O câncer anal é um tumor raro, doloroso e cercado de tabus. Estima-se que ele represente apenas 1 ou 2% das malignidades que surgem nas partes finais do intestino e que 90% dos casos sejam causados pelo papilomavírus humano (HPV).
“É mais comum em países de baixa e média renda, onde há pouca adesão à vacina contra o HPV, capaz de prevenir este e outros cânceres, como o de colo do útero, de pênis e de garganta”, lista Thiago Jorge, do Oswaldo Cruz.
Como outras doenças raras, atualmente há poucas opções de tratamento para a enfermidade. Pois um estudo apresentado no congresso da Esmo traz resultados que podem mudar a prática clínica.
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A terceira fase da pesquisa PODIUM-303 mostrou que o uso do imunoterápico retifanlimabe, associado à quimioterapia, aumentou a sobrevida livre de progressão da doença para 9,3 meses — contra 7,4 meses entre pacientes do braço placebo.
Os pesquisadores observaram também uma sobrevivência média de 29 meses entre aqueles que usaram o retifanlimabe e de 23 meses nos que seguiram apenas a quimioterapia padrão.
Ao todo, 308 pacientes com casos avançados de câncer foram avaliados pela investigação.
3. Mais opções para o câncer de mama
Com 2,3 milhões de novos diagnósticos todos os anos, o câncer de mama é o segundo mais comum em todo o mundo e um dos que mais recebem novidades no tratamento.
Durante o congresso europeu de oncologia, pesquisadores à frente da fase 2 do estudo Neo-CheckRay mostraram que a imunorradiação (combinação de imunoterapia e radiação) antes da cirurgia de remoção de tumores mamários aumenta as chances de controlar a doença.
Foram analisadas 135 mulheres com câncer de mama com receptor de estrogênio (ER) positivo e HER2 negativo, divididas em grupos que fizeram a intervenção ou receberam placebo.
No fim da análise, 35% das voluntárias do primeiro time tiveram uma resposta imunológica contra os resíduos de tecidos cancerosos. Apenas 17,8% das que estavam no braço placebo alcançaram o mesmo marco.
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Outro destaque é o estudo DESTINYBreast-12, que ressalta a importância de anticorpos conjugados à droga (ADCs) no manejo de cânceres de mama metastáticos (cujos tumores apareceram em outras partes do corpo também).
Essa terapia é como um míssil teleguiado: um anticorpo desenhado para encontrar e se conectar a uma proteína do tumor é combinado a um remédio, que é entregue dentro da célula tumoral.
Avaliando 504 pacientes, os pesquisadores observaram que a doença se manteve controlada e que a sobrevida sem progressão da doença foi satisfatória até mesmo entre mulheres cujo câncer havia se espalhado para o cérebro também.
“Os ADCs são medicamentos que estão revolucionando o tratamento de vários tipos de câncer, trazendo benefícios inclusive para pacientes com doenças graves”, pontua Musse.
4. Melanoma
O tipo mais agressivo de câncer de pele foi um dos primeiros a se beneficiar do desenvolvimento das imunoterapias — e até hoje novos benefícios do uso dessa abordagem são vistos em estudos clínicos.
Certas combinações de imunoterapias, quando administradas antes da cirurgia de retirada do tumor, foram associadas a uma maior sobrevida entre pacientes com melanoma localmente avançado.
Em estudo do Consórcio Internacional de Neoadjuvantes para Melanoma, 818 pessoas se voluntariaram para receber diferentes tipos de imunoterápicos contra a doença.
Foi observado que 81% dos que tomaram terapia neoadjuvante que inibem as proteínas PD-1 e LAG3, expressas pelo tumor, estavam livres da doença em um período de três anos. A porcentagem foi de 77% para aqueles que receberam anti-PD-1 e anti-CTLA-4 e de apenas 64% entre os que tomaram somente o anti-PD-1.
*A jornalista viajou a Barcelona a convite da Bayer.