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O impacto do câncer infantil na família

Essa doença, quando atinge uma criança, abala as estruturas familiares. SAÚDE investiga como um tumor na infância estremece (ou até fortalece) os laços

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 15 fev 2021, 12h16 - Publicado em 27 dez 2016, 15h57
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Enrtevista sobre infecção respiratória (Foto: Bruno Marçal/)
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Em fevereiro de 2014, Crislane Batista da Silva, de 37 anos, estava com Artur, seu filho de sete anos, em um shopping de São Paulo quando ele desmaiou. Já no pronto-socorro, a médica notou pelo raio-x que havia uma massa suspeita no intestino do garoto.

No dia marcado para a biópsia que esclareceria se era um tumor maligno que crescia ali, Artur teve cinco paradas cardíacas. “Decidiram operar e, na sala cirúrgica, viram que era câncer mesmo. Ele tinha tomado intestino, baço e chegava ao pulmão”, conta a mãe.

Depois do procedimento, a então balconista de loja recebeu o diagnóstico do filho: rabdomiossarcoma embrionário. Traduzindo, um tipo de tumor que se forma durante a gestação e que ataca diversos locais do corpo.

As mais de 40 sessões de quimioterapia que se sucederam à operação obrigaram mãe e filho a mudar completamente de vida. “O tratamento ocorria de segunda a quinta. A gente saía de casa às quatro e meia da manhã para voltar cinco da tarde, às vezes mais”, relata.

Com a agenda tomada pela doença, ela precisou largar o emprego. “Foi muito pesado. Eu passei necessidade, chorava todo dia, meu armário ficou vazio…”, lembra Crislane. O marido, assim como o trabalho, não resistiu ao período. “Ele me acompanhou e até me ajudou no começo, mas cansou porque eu ficava mais no hospital do que em casa”, resume.

Depois de uma longa batalha, Artur derrotou a doença. Sua tão esperada alta veio em março de 2016. Hoje, ele está em remissão e ainda é acompanhado de perto pelos médicos. Já Crislane voltou a trabalhar há quatro meses e aos poucos retoma sua vida.

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Para a mãe, ficou a certeza de que, apesar dos reveses, não estava sozinha. A ajuda para seguir em frente veio de amigos novos e antigos, parentes e os grupos de mães de outros pequenos pacientes. “Eu fui abandonada de um lado, mas acolhida de outro”, pondera.

 

Mudou tudo, o que fazer?

Em 2016, cerca de 12 600 novos tumores infantis foram detectados, estima o Instituto Nacional do Câncer, o Inca. Ou seja, mais de 25 mil pais e mães como Crislane receberam de um doutor a notícia que menos gostariam de ouvir.

Para os filhos, o diagnóstico significa uma caminhada difícil pela frente, porém com boa chance de sucesso no final. “Mais de 70% das crianças se curam, um índice superior ao dos adultos”, tranquiliza Neysimelia Costa Villela, oncologista pediátrica do Hospital de Câncer de Barretos, no interior de São Paulo.

Entrevista: O câncer nas crianças e nos adolescentes

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Já nos familiares, a cabeça e o coração ficam cheios de dúvidas, medos e culpas. Qual caminho tomar? Meu menino vai passar por essa? Será que meu DNA é o responsável por essa doença? “Em meio a tudo isso, eles precisam se reorganizar para suportar um tratamento muitas vezes longo, invasivo e doloroso”, aponta Mariana Arré Gavioli, psicóloga da unidade infanto-juvenil do Hospital de Câncer de Barretos.

“Em vários casos, os familiares têm que abandonar o trabalho, ficar longe da família e viver no hospital”, comenta a oncologista pediátrica Cecília Lima da Costa, do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista. Aliás, tanto o A.C.Camargo e o Hospital de Câncer de Barretos quanto outras instituições de referência acabam recebendo pacientes de outras cidades e até estados. E dá pra imaginar como essa migração bagunça o cotidiano de uma casa.

Não raro, os parentes ficam deprimidos, ansiosos e com sintomas de síndrome do estresse pós-traumático. Uma grande revisão publicada pelo Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos Estados Unidos, aponta que 43% dos pais de crianças com câncer sofrem com esses transtornos por até cinco anos depois do fim da terapia. “Lidar com tantas mudanças pode gerar um sentimento de impotência. É como se perdêssemos o controle da vida”, explica a psicóloga Thamires Monteiro, do A.C. Camargo.

O mesmo trabalho também aponta que tamanho estresse fomenta rusgas no casamento e no cotidiano familiar. Até para acalmar os ânimos, os hospitais que tratam o câncer em geral oferecem acompanhamento psicológico aos familiares do paciente-mirim. Acredite: o bem-estar mental de todos é importante para o prognóstico do pequeno.

“Entendemos que o cuidador precisa de apoio emocional para conseguir fornecer à criança um ambiente seguro nesse processo”, explica Thamires. A oncologista pediátrica Neysimelia raciocina: “A criança é reflexo da mãe. Se ela está bem, o filho está bem; se está com medo, ele fica com medo também”.

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Lidando com as etapas mais difíceis

– Como contar para o filho sobre a doença?
Os especialistas recomendam sinceridade, sem excesso de detalhes. “Responda o que a criança perguntar”, aconselha Neysimelia. Mentir quebra a relação de confiança e abala o comprometimento do pequeno com a terapia.

– “Mãe, eu vou morrer?”
A pergunta é difícil, porém não pode ser ignorada. A possibilidade da morte é um fato. Fale que há um risco, mas desvie a conversa para o lado positivo. Um exemplo: o poder atual das superarmas dos médicos contra a doença.

– Os outros filhos
“É importante acompanhar de perto os eventuais irmãos e envolvê-los nas sessões terapêuticas. Explique o que está acontecendo para que eles não se sintam abandonados nesse período tão desafiador”, orienta Tamires.

Vitória em equipe

“Quem está longe também sofre, porque não acompanha a rotina e não vê como a criança está evoluindo”, ressalta Neysimelia. Uma história que retrata isso muito bem é a das gêmeas Barbara e Caroline Asato, hoje com 27 anos.

Em 1996, Barbara foi diagnosticada com leucemia linfoide aguda, um dos tipos mais comuns de câncer infantil. A família morava em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

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Para fazer o tratamento, a mãe se mudou com Barbara para Curitiba, no Paraná — são mais de mil quilômetros de distância da cidade onde viviam. “A gêmea dela ficou desolada. Era uma chorando lá e a outra aqui”, diz a mãe Élida Asato, de 58 anos. “No final, tivemos que trazê-la também”, relembra.

Sozinha com as duas meninas — e com marido e o filho mais velho em outro estado —, Élida se desdobrou para atender as sessões de quimioterapia, cuidar de Caroline e cumprir as tarefas de seu trabalho de maneira remota. “Sabia que tinha que me dedicar mais à Barbara, mas não podia deixar de dar atenção aos outros filhos”, continua.

Mesmo com a rotina puxada, ela fez de tudo para transparecer confiança à família. Todos os dias, quando a Barbara acordava, a mãe já estava arrumada e animada. “Acho importante a criança ver que não estamos derrotadas”, opina.

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Para manter esse espírito, Élida dependeu do apoio de seus entes queridos. “Meu marido cuidou das coisas em casa e soube entender que essa era uma situação atípica, que exigia uma pausa na vida pessoal”, conta. Já seu irmão viajava a Curitiba com frequência para ajudar nas tarefas domésticas de lá: levar as roupas na lavanderia, fazer compras, cozinhar…

Superar essa fase difícil parece mesmo depender de uma mistura entre cooperação e preparo mental. Aquele trabalho do Memorial Sloan Kettering Cancer Center descobriu características em comum nas famílias que lidaram com a doença sem apresentar tantas repercussões negativas. Uma delas é justamente o suporte social fornecido por amigos, parentes e comunidade — seja apoiando financeiramente, colaborando nas tarefas de casa ou simplesmente oferecendo um ombro.

Otimismo e a uma visão mais proativa do câncer — trata-se de mais um problema a ser resolvido e não de uma punição ou algo parecido — também estavam entre os traços destacados pelo levantamento. E, para concluir, uma boa notícia: a maior parte das famílias estudadas relata que, ao fim do tratamento, o vínculo entre seus integrantes se fortaleceu.

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