Vírus Nipah: o que acontece quando destruímos florestas
Infecção é cotada como possível nova pandemia pela OMS. E sua emergência tem a ver com a forma com que o homem trata a natureza
Entre 1854 e 1862, o naturalista inglês Alfred Russel Wallace viajou pelo Sudeste Asiático, incluindo a Malásia, coletando a fauna e a flora locais e estudando suas características e distribuição. Entre os animais que coletou e preservou, estavam morcegos que se alimentam de frutas. Ah, sim, e no seu tempo vago nessas viagens, ele chegou à mesma teoria da evolução por seleção natural de Charles Darwin, de modo independente e simultâneo!
Alfred e seus morcegos foram esquecidos, mas a região por ele andou e os animais de lá seriam novamente notícia 85 anos após sua morte, ocorrida em 1913.
Em um local na Malásia chamado Kampung Sungai Nipah (a “Vila do Rio Nipah”), uma doença desconhecida até então se revelou, causando problemas respiratórios em porcos. Não só: em pessoas, essa doença acabou se manifestando como uma encefalite, que é uma inflamação do cérebro.
Os sintomas em pessoas e porcos foram ligados quando se descobriu serem causados pelo mesmo vírus, tão desconhecido como era Alfred no seu tempo. Estamos falando do vírus Nipah.
Quem é o Nipah?
O Nipah é um primo distante dos vírus do sarampo, da raiva e do vírus da cinomose que afeta os cães. Mantendo a tradição da família, tem um envelope cheio de alfinetes proteicos e uma fita de RNA escondida lá dentro que lhe serve de genoma. Ele já foi encontrado em pessoas, porcos… e morcegos que comem frutas.
Mas como tudo isso se conecta?
Alfred, que gostava de conectar as coisas, teria facilidade em responder. Os morcegos são os hospedeiros naturais do vírus Nipah e, ao comerem, contaminam frutas com sua saliva ou mesmo com fezes e urina. Estas frutas carregadas de vírus agora caem no chão e os porcos se alimentam delas, trazendo para dentro deles o vírus.
E as pessoas (e também os cães) se infectam ao ingerir a seiva de plantas onde os morcegos ficam ou ao ter contato com os porcos, mesmo depois de mortos, como foi no caso de um surto entra trabalhadores de abatedouros em Singapura. Casos de Nipah começaram a ocorrer em Bangladesh, na Índia e nas Filipinas.
O retorno
Sem uma vacina disponível até hoje, o Nipah teve o mesmo destino de Alfred: o esquecimento. Até que, neste ano de 2023 (parabéns, Alfred, por seus 200 anos de idade!), seis pessoas de uma mesma cidade na Índia tiveram Nipah.
Isso acendeu o alerta, pois o Nipah é um candidato para uma possível próxima pandemia. Quem diz isso é a Organização Mundial da Saúde (OMS), que o colocou na lista de prioridades para vigilância e pesquisa.
Por ora, para tratar um paciente infectado, só dispomos de antivirais experimentais. No mais, é preciso lançar mão de terapias de suporte, como hidratação, respiradores e anti-inflamatórios.
Mas por que o Nipah ainda não está viajando pelo mundo todo? Talvez porque ele ainda não saiba se transmitir bem de pessoa a pessoa, como o coronavírus da Covid-19 e o vírus da gripe aprenderam a fazer. Ou talvez pofque ainda não chegou a hospedeiros locais, como morcegos ou porcos, fora da sua área de ocorrência preferida.
Mas, como disse Alfred Russell Wallace, “a mudança de forma é uma questão de tempo”.
O que já está claro é que nosso contato com o Nipah se deve à degradação de florestas. Isso aproximou morcegos de porcos e seres humanos, levando o vírus onde ele não deveria estar.
E quantos outros micróbios não estão nas matas, prontos a encontrar novos hospedeiros? Quanto já não foi falado e escrito sobre o impacto da ação humana na destruição de biomas pelo planeta?
Alfred Russel Wallace resumiu assim: a conservação da Natureza é essencial para a sobrevivência da Humanidade. Obrigado, Alfred. Precisamos ouvir ainda mais seu conselho.