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Virosfera

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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Que zika é essa? Uma história que não pode ser esquecida

Nosso colunista examina a ameaça representada por mosquitos e as doenças infecciosas que eles propagam. O zika é um exemplo

Por Paulo Eduardo Brandão
19 jun 2023, 09h52
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  • Qual o animal mais letal para nós, seres humanos? Leões são a resposta natural para muita gente. Mas não são eles, não. Seriam os elefantes, tão poderosos que já foram até utilizados em guerras? Também não.

    Hipopótamos? Estes mamíferos, dos quais temos um horror ancestral possivelmente gravado durante a evolução de nossa espécie na África, certamente causam mais mortes do que os dois primeiros, mas perdem de longe para o pequeno, discreto e ignorado mosquito, que provoca a morte de milhares de pessoas no mundo todo a cada ano.

    A força letal do mosquito não está no que pode ser visto, mas no que se esconde dentro dele: protozoários como os da malária e da leishmaniose e vírus como os da dengue, da febre amarela, da febre do Oeste do Nilo, o chikungunya e o zika.

    O zika é um triste capítulo à parte, que conversa bastante com a nossa história recente. Na realidade, foi encontrado pela primeira vez em 1947 em Uganda, na África Oriental, quando o país ainda estava sob o jugo da Inglaterra, na Floresta Zika, que, no idioma local significa “Floresta Densa”.

    Esse vírus é parte da família dos flavivírus, os “vírus amarelos”, cujo nome vem do membro mais ilustre da família, o da febre amarela. Ele se parece com um dado de 20 lados, aqueles usados em jogos de RPG, embrulhado em um envelope gorduroso que esconde uma fita de RNA pequena, mais ou menos com um terço do tamanho do RNA do coronavírus.

    Para os padrões dos vírus, o zika nem é tão grande, ficando ali perto dos rotavírus na régua viral, mas já sabemos que na Virosfera tamanho não é documento.

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    O zika voa nas asas (na verdade, mais propriamente no sistema digestivo) do Aedes aegypti, um mosquito negro com listras brancas, cujas fêmeas vêm sugar nosso sangue durante o dia. Esse mosquito é também uma boa fábrica viral e, no mesmo momento que recebemos a picada, ganhamos “grátis” uma dose de vírus, e vice-versa se o mosquito picar alguém já com o cópias virais no sangue.

    A pessoa infectada costuma desenvolver fortes dores articulares e musculares, dor de cabeça, febre e erupções na pele, mas, apesar desses incômodos, o quadro não demandava tanta atenção das autoridades de saúde pública em nível mundial. Bem, não até 2015.

    Até os anos 1950, o zika ocorria em regiões equatoriais da África e da Ásia. Aí, em 2015, no Brasil, começamos a notar um número impressionante de crianças com microcefalia, uma condição que faz com que o cérebro não se desenvolva em seu tamanho e complexidade máximos dentro da barriga da mãe.

    Como na Covid-19, o mundo todo olhou para o surto e aí endentemos que a causa era o velho conhecido zika que infectava grávidas e atravessava a placenta, indo parar nos fetos. E, também como na Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de Emergência Global.

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    Na época, especulou-se que o zika tinha vindo para cá de carona com pessoas que vieram assistir à Copa de Mundo de 2014, mas se sabe que ele chegou bem antes, em 2013, vindo de avião com alguém da Polinésia Francesa que trazia o vírus no sangue. Casos de microcefalia se alastraram pelo continente americano e foram decaindo até hoje.

    + LEIA TAMBÉM: Como os mosquitos e suas doenças ajudaram a moldar a história humana

    Sem trégua

    Não há vacina nem tratamento específico para o zika. Só dá mesmo para controlar a população dos mosquitos transmissores, que dependem de água para se reproduzir.

    O que, no fim, nos traz um paradoxo: pessoas que vivem em regiões do mundo sem acesso a saneamento básico e a água potável são as mais atingidas por doenças cujos transmissores dependem de água limpa para viver.

    Sabemos que redes de água e esgoto ficam enterradas e não dão popularidade política e só investimentos que ultrapassem a duração de mandatos podem remediar a vida dessas pessoas em pleno século 21.

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    Ainda é imensa a consequência dos mosquitos na saúde humana pela diversidade de doenças que eles transmitem. De fato, esses pequenos animais ostentam uma “força” impressionante.

    Em O Coração das Trevas, romance publicado 1899, o inglês de origem polonesa Joseph Conrad narra a missão de um capitão em uma embarcação que atravessa o Congo, país que faz fronteira com Uganda. O livro tem uma frase perfeita para descrever nossa situação diante de mosquitos e vírus: “Sua força é só um acidente que ocorre por causa da fraqueza de outros”.

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