A repercussão negativa em torno da recente Resolução nº 2.324/2022, do Conselho Federal de Medicina (CFM), provocou intensos debates sobre os novos critérios para a prescrição do canabidiol no Brasil.
Após severas críticas da sociedade sobre o retrocesso do entendimento conquistado ao longo dos anos, o CFM voltou atrás e reabriu a consulta pública. Em seguida, suspendeu temporariamente os efeitos da nova regra, por intermédio da Resolução nº. 2.326.
O canabidiol, conhecido como CBD, é uma das substâncias químicas contidas na cannabis sativa e age no sistema nervoso central. Entretanto, não produz o efeito conhecido da droga, tampouco intoxicação.
Vale lembrar que a Resolução nº 2.113, de 2014, aprovava o uso compassivo do canabidiol para epilepsias da criança e do adolescente resistentes aos tratamentos convencionais.
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Contudo, o CFM resolveu restringir o alcance do uso do canabidiol apenas para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. Acrescentou que, se a moléstia não estiver listada nas diretrizes do órgão, o médico está impedido de prescrever a droga.
A autarquia argumentou que as evidências sobre a eficácia e a segurança do CBD para outras moléstias eram frágeis.
A Associação Brasileira de Psiquiatria seguiu a mesma linha de posicionamento e argumentou que não há evidências científicas suficientes para doenças mentais.
Surpreendentemente, o Ministério Público Federal (MPF) se mobilizou e instaurou procedimento preparatório para apurar a compatibilidade da Resolução do CFM com o direito social fundamental à saúde, conforme a Constituição Federal.
A autorização para o uso individual é permitida desde 2015, sendo regulamentada pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) através da RDC nº335/2020, bem como da RDC nº 660/2022, que define critérios e procedimentos para sua importação.
A Anvisa também estabeleceu os procedimentos para a concessão de autorização, além de definir os requisitos necessários para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais, através da RDC nº 327/2019.
Além disso, é importante mencionar que, no dia 31 de agosto, um artigo de pesquisa divulgado na revista científica Plos One colocou a cannabis em evidência ao estimar um prejuízo bilionário da indústria farmacêutica de medicamentos convencionais.
A previsão seria reduzir em torno de US$ 3 bilhões as vendas anuais no setor em um único evento de legalização de produtos à base de cannabis.
O estudo se baseou no impacto da legalização da cannabis nos EUA, entre 1996 e 2019, levando em consideração o retorno do mercado de ações para farmacêuticas de genéricos e de marcas.
No final do ano passado, a Pfizer já havia anunciado o ingresso na indústria da cannabis medicinal, através de acordo firmado com a empresa de pesquisas Arena Pharmaceuticals. O investimento da Pfizer alcançou a alta cifra de US$ 6,7 bilhões e o fármaco em questão visa tratar a dor visceral provocada por distúrbios gastrointestinais.
É evidente que o fenômeno de reconhecimento da cannabis como alternativa às drogas convencionais ou até mesmo o único tratamento disponível para o paciente é uma realidade que veio para ficar.
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Porém, a nova Resolução pode interromper a terapia de muitos pacientes que já fazem uso da substância, principalmente para tratamentos de epilepsia, esclerose múltipla, doença de Parkinson, esquizofrenia, Transtorno do Espectro do Autismo, dores crônicas, insônia, além de distúrbios psiquiátricos, neurológicos e reumatológicos. Fora o papel no atendimento geriátrico e paliativo.
A tentativa do CFM em caracterizar o canabidiol como experimental contradiz a agência reguladora (Anvisa), que concedeu autorização para as farmacêuticas Prati-Donaduzzi e Nunature, além dos órgãos reguladores internacionais.
Diante deste cenário, a suspensão da Resolução 2.324/2022 demonstra que o CFM extrapolou suas atribuições e reconhece que as limitações impostas à comunidade médica afrontam a autonomia do profissional, bem como impede o avanço científico em prol do paciente e da sociedade.