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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Allan Kardec e os doutores que cuidam do corpo e da alma

Conheça a ala da medicina que, respeitando as crenças dos pacientes, incentiva o estudo e o uso da espiritualidade no tratamento de doenças

Por André Bernardo
Atualizado em 24 jun 2019, 18h58 - Publicado em 24 jun 2019, 12h01

O cemitério do Père-Lachaise, em Paris, na França, é o mais famoso do mundo. Lá estão sepultadas, entre outras celebridades, o escritor inglês Oscar Wilde (1854-1900), o compositor franco-polonês Frédéric Chopin (1810-1849) e o roqueiro americano Jim Morrison (1943-1971). De suas 70 mil sepulturas, uma das mais visitadas é a do professor Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), o nome de batismo de Allan Kardec. “A qualquer dia da semana, o mausoléu de Kardec está sempre enfeitado. Há sempre um brasileiro acendendo velas ou depositando flores”, observa o sociólogo Reginaldo Prandi, professor da Universidade de São Paulo. “Para os franceses, o kardecismo é ciência, literatura ou filosofia. Para nós, é algo maior: virou uma religião.”

No ano em que espíritas comemoram os 150 anos da morte, ou melhor, do “desencarne” de Kardec, sua doutrina tem hoje, segundo estimativas do Pew Research Center, nos Estados Unidos, 13 milhões de adeptos. Só no Brasil são 3,8 milhões.

Para celebrar a data, a vida e a obra do fundador do espiritismo são contadas no cinema pelo filme Kardec, dirigido por Wagner de Assis e estrelado por Leonardo Medeiros. “Chico Xavier foi um de seus discípulos mais dedicados. Ele consultava O Livro dos Espíritos (1857) quase como um manual de instruções. Não por acaso, costumava dizer: ‘Na dúvida, leiam Kardec’”, revela o jornalista Marcel Souto Maior, autor do livro Kardec – A Biografia (2013), que embasou o filme.

Chico Xavier (1910-2002), o mais famoso médium brasileiro, não foi o único. Se hoje Kardec é mais popular no Brasil, o maior país católico do mundo, do que na França, sua terra natal, o mérito é também do médico Bezerra de Menezes (1831-1900). Por atender gratuitamente quem não tinha condições de pagar pela consulta, ganhou o apelido de “médico dos pobres”. Reza a lenda que Bezerra chegou a doar seu anel de formatura a uma mãe para ela vendê-lo e, com o dinheiro arrecadado, comprar remédios para o filho.

Por essas e outras, o “Allan Kardec brasileiro” é o patrono da Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-Brasil). A instituição foi fundada em junho de 1995 pela ginecologista Marlene Nobre (1937-2015) e, segundo o atual presidente, o homeopata Gilson Luís Roberto, procura incentivar o estudo da espiritualidade na prática clínica, sempre respeitando as crenças dos pacientes e nunca ultrapassando os limites do exercício profissional.

Lá fora, já existem Associações Médico-Espíritas (AMEs) em mais de dez países, como EUA, Argentina e Inglaterra. Por aqui, o número de associações já chegou a 66. “Todos os médicos devem buscar a excelência técnica aliada à prática humanizada, mas entendo que essa busca está vinculada mais ao caráter do profissional do que a suas crenças. Já vi médicos materialistas agindo com muito mais dedicação e humanidade do que muitos que se dizem religiosos”, diz Roberto.

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O médico Marcelo Saad, especialista em fisiatria e acupuntura, é um dos milhares de associados, de diferentes especialidades, da AME-Brasil. Como acupunturista, ele instala as agulhas no paciente e o deixa na sessão por 30 minutos. Enquanto isso, se dirige a uma sala próxima onde faz uma “mentalização positiva”. Por alguns instantes, conta, direciona pensamentos de paz e equilíbrio ao paciente. “Não tenho dúvidas de que essa combinação gera um benefício adicional ao efeito terapêutico da acupuntura”, explica ele, que atualmente preside a Associação Médico-Espírita do Estado de São Paulo (AME-SP), a pioneira no Brasil, fundada em março de 1968.

O atendimento de médicos-espíritas como Gilson Roberto, em Porto Alegre, e Marcelo Saad, em São Paulo, vai além dos consultórios. O site da AME-Brasil lista pelo menos 14 hospitais psiquiátricos em cinco estados: Rio, São Paulo, Minas, Paraná e Rio Grande do Sul. Um deles é o Hospital Espírita André Luiz (HEAL), em Belo Horizonte.

Referência no tratamento de pacientes com transtornos mentais e dependência química, o HEAL oferece assistência médica e espiritual, tanto para pacientes quanto para seus familiares. “Mais de 300 voluntários oferecem as mais diferentes atividades: de grupos de leitura e oração a reuniões de orientação espiritual”, explica o psiquiatra Roberto Lúcio, diretor da instituição desde 2005. “Além do tratamento convencional, há práticas espíritas opcionais, como o passe [a cura pela imposição das mãos], a desobsessão [a liberação de influência negativa de espíritos sobre o paciente] e a fluidoterapia [a ingestão de água fluidificada]”, relata.

Durante a residência em psiquiatria, Roberto relata que chegou a sofrer preconceito por ser espírita. “Há sempre colegas que fazem críticas, às vezes duras, mas que só chegam aos seus ouvidos por terceiros. A maioria sempre me tratou com respeito e cordialidade”, afirma.

Boa parte dos hospitais espíritas é voltada para o tratamento de doentes mentais e usuários de drogas. Seria uma coincidência? Os médicos-espíritas acreditam que não. “Em indivíduos com predisposição neurológica, alguns distúrbios mentais podem ser agravados por desequilíbrios espirituais”, explica Saad.

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A Fundação Espírita Américo Bairral, em Itapira, no interior paulista, é considerada o maior complexo de saúde mental da América Latina. Com mil leitos, o Instituto Bairral, como é popularmente conhecido, atende portadores de esquizofrenia, depressão e psicose, entre outros distúrbios psiquiátricos. “Há diversas hipóteses para explicar o efeito da espiritualidade na saúde física e mental do paciente. Uma delas é o enfrentamento [coping]. Enquanto uns optam por enfrentar seus problemas, outros preferem se culpar por causa deles. Isso acaba piorando sua condição clínica”, avalia o psiquiatra Rafael Latorraca.

Um dos conselheiros do Bairral, Latorraca recorda que, durante boa parte dos séculos 19 e 20, acreditar em Deus ou seguir uma religião era visto pela comunidade científica como “sinal de fraqueza”. Ou, como diria o psiquiatra austríaco Sigmund Freud em O Mal-Estar da Civilização (1930), uma “muleta psicológica”. Hoje, o estudo da associação entre espiritualidade e saúde virou disciplina em cursos de medicina do Brasil e do exterior.

Segundo os médicos-espíritas, a expectativa de vida de quem segue uma religião é, em média, sete anos maior. “A fé é um dos mais importantes fatores de cura. Entre outros benefícios, a prática espiritual amplia a resiliência do paciente, aumentando sua adesão ao tratamento e acelerando sua recuperação hospitalar”, defende Roberto.

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