O que são valor e preço quando se fala em saúde?
Em estreia, colunista destaca o mundo fascinante da relação entre valor e preço num setor em que a vida e o bem-estar das pessoas estão diretamente em jogo
Em um setor em que a vida e o bem-estar das pessoas estão diretamente em jogo, a relação entre valor e preço adquire outra dimensão, muito mais desafiadora. Mas não é incomum que a diferença entre esses dois conceitos, cada vez mais debatidos por aí, seja confundida.
Então imagine que você está no mercado comprando um produto qualquer. Paga o preço demarcado, leva sua escolha para casa e teoricamente se satisfaz com sua decisão. Fácil, certo?
Agora pense que esse produto é um procedimento médico e o mercado é um hospital. De repente, o preço não é algo tão claro, e o valor percebido é uma mistura complexa de confiança e esperança projetadas naquele tratamento, bem como seus efeitos reais sobre a recuperação do paciente.
Bem-vindo ao mundo fascinante e, às vezes, confuso da relação entre valor e preço na área da saúde.
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Mas, afinal, qual é a diferença entre preço e valor? De forma bastante simplista, preço é apenas um número que expressa a quantia monetária que alguém pagará por um produto ou serviço. Já valor é o benefício percebido por aquela compra, que pode variar para cada indivíduo, mesmo que o produto seja idêntico.
Parece óbvio, mas muitos não entendem que não compramos algo em si, mas sim o significado ou benefício gerado por aquela decisão. Como nos diz o conhecido investidor americano Warren Buffet: “Preço é o que você paga, valor é o que você leva”.
A maioria de nós acompanha os desafios de financiamento do setor da saúde no Brasil e no mundo. Mesmo países desenvolvidos e teoricamente ricos sofrem ao tentar atender a todas as demandas e necessidades de suas populações.
Sistemas notoriamente eficientes como o NHS da Inglaterra e mesmo outros modelos europeus de saúde universal não têm conseguido acompanhar o crescimento dos custos relacionados às descobertas e inovações no tratamento de uma série de doenças.
O fato é que a velocidade dos progressos científicos não respeita, e nem deve respeitar, as limitações orçamentárias dos países e da sociedade.
A ciência deve continuar a fazer todo o possível para salvar cada vez mais vidas e estender a expectativa de vida das pessoas mundo afora. Mas há uma conta a pagar, e ela está entre os principais motivos por trás do aumento dos custos em medicina hoje.
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Então como alcançar soluções para essa inequação, uma vez que os recursos dos governos e das famílias são finitos? A resposta para a questão é extremamente complexa, já que o acesso à saúde universal deveria ser um objetivo de todos os governos.
Para buscá-la, usaremos o conceito do “véu da ignorância”, do filósofo americano John Rawls. Ele nos propõe a imaginar uma sociedade que estaria começando do zero, em que cada um dos seus membros desconheceria quais características teriam — se seria de uma minoria étnica ou não, se teria uma deficiência ou não, se seria pobre ou rico.
Nesse cenário hipotético, as pessoas não têm como prever sua posição futura na sociedade e há uma forte tendência na busca por regras mais justas para todos, independentemente das condições impostas.
É nessas circunstâncias que irrompe a defesa de um sistema de saúde acessível a todo mundo, já que, sob o véu da ignorância, as pessoas não saberiam se teriam condições de arcar com seus cuidados e necessidades por conta própria.
Atualmente, tanto a saúde pública quanto a privada enfrentam desafios significativos para manter a sustentabilidade frente às demandas crescentes por tratamentos, muitos deles disruptivos e caros. Com o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida, os sistemas de saúde precisam lidar com a escalada dos custos e a obrigação de gerenciar recursos limitados.
Embora positivo em termos de longevidade, tal horizonte exige que façamos escolhas éticas e responsáveis. E essas escolhas devem focar em maximizar o valor para todos, priorizando intervenções que ofereçam os melhores resultados por unidade de custo e garantindo acesso equitativo a cuidados essenciais.
O ponto é que empresas, governos e famílias possuem limites para arcar com o crescimento das despesas de saúde. E a busca pelo “valor” deveria ser o caminho a ser trilhado frente a tantos desejos e necessidades.
Amplamente conhecido, o conceito de VBHC (Value Based Health Care) é justamente uma relação entre os resultados reais gerados para a qualidade de vida dos pacientes e o custo gerado por esse cuidado.
Infelizmente, a vida é feita de limites e restrições, e nós, enquanto sociedade, indivíduos e empresas, precisaremos fazer escolhas inteligentes, priorizando algumas decisões, padronizando rotinas e medindo os desfechos de forma que nossos recursos sejam suficientes para o atendimento do maior número de pessoas, na premissa do “véu da ignorância”.
Ainda estamos engatinhando numa discussão ampla e séria do financiamento do setor, seja ele público ou privado, já que, em um ambiente de crise ou dificuldade, cada parte tende a culpar a outra.
No entanto, enquanto não desenvolvermos um modelo de transição que seja independente do aspecto econômico-financeiro, nenhuma das partes dará o passo inicial para um sistema de cuidado que atenda às expectativas e necessidades coletivas, respeitando as direções previamente pactuadas, sob o olhar da prevenção, da qualidade de vida e da análise de custo-efetividade.
Quanto ao Brasil, sinto falta de uma visão mais corajosa, comunitária e generosa na sociedade contemporânea. Parece que ainda não amadurecemos em nossa plenitude para que façamos as escolhas certas por um país mais justo e próspero, com mais ciência, empreendedorismo e inovação, sem perder de vista a velha frase: “A cada escolha, uma renúncia”.