Quando se pensa na palavra “biópsia”, o que nos vem à mente é um procedimento que depende de anestesia e da extração do pedacinho de um órgão para verificar como está a situação ali. E isso é aplicado há tempos na oncologia para entender as peculiaridades de um tumor. Mas imagine que podemos descobrir informações importantes sobre um câncer por meio de uma coleta de sangue. Informações que nos ajudam a guiar o tratamento e a verificar se o paciente continua respondendo a ele. Este é o objetivo da “biópsia líquida“, um método pouco invasivo e quase nada doloroso que já virou realidade.
Apesar do nome com o qual vem se popularizando, essa técnica não substitui a biópsia convencional. Ela se vale de um exame de sangue para investigar a presença de células tumorais, frações de DNA do câncer e outras estruturas microscópicas que nos auxiliam a identificar o subtipo e as características da doença. Sim, qualquer tumor deixa pistas valiosas na circulação. Isso porque, quando ele cresce, passa a liberar algumas de suas células no sangue.
Além das células em si, também caem na corrente sanguínea pedaços de DNA das células cancerosas. E, durante a expansão típica da metástase, ainda vão parar na circulação outras estruturas microscópicas do tumor, que lembram gotículas, as vesículas extracelulares. A biópsia líquida permite, assim, detectar, quantificar e analisar no sangue peças importantes para nortear o tratamento.
Na prática, os médicos podem lançar mão do método para indicar ou não uma terapia ou monitorar se o paciente está reagindo bem a ela. Conseguimos avaliar, por meio das células tumorais circulantes (CTCs), indícios de que o tumor está respondendo ou não a determinada quimioterapia. O mesmo pode ser observado por meio das frações de DNA tumoral circulante — nesse caso, é possível ainda visualizar mutações de genes de resistência ou de alvos de tratamento específicos. Com isso, é possível direcionar a terapia de forma mais eficiente.
No Brasil, a pesquisa de DNA tumoral com a biópsia líquida está aprovada para uso no contexto do câncer de pulmão. Ela dá ao médico subsídios para saber se o paciente é candidato à terapia-alvo — medicação focada numa proteína específica do tumor. Mas a perspectiva é que outras doenças entrem na mira. Nos Estados Unidos, a população já tem acesso a um exame que ajuda a visualizar o risco de a mulher com câncer de mama apresentar metástase, o que influencia na escolha do tratamento.
Aqui no A.C.Camargo Cancer Center trabalhamos para que essa tecnologia esteja disponível em breve para pacientes. Lá fora, aliás, a biópsia líquida já é usada para definir inclusive o estadiamento do câncer de mama, informação fundamental para definir a terapia.
Em resumo, falamos de uma ferramenta que, sem impor sofrimento ao paciente, permite fazer a escolha mais inteligente e assertiva do tratamento, evitando gastos com escolhas menos efetivas e prevenindo efeitos colaterais desnecessários. No fundo, é o paciente que ganha qualidade de vida.
Perspectiva no diagnóstico precoce
A biópsia líquida coloca no horizonte outra possibilidade que só trará vantagens no enfrentamento do câncer. Trata-se da perspectiva de usá-la no rastreamento da doença. A ideia é recorrer à pesquisa de células tumorais circulantes para identificar o risco de alguém desenvolver o problema ou detectá-lo em fase muito precoce.
Grandes estudos, envolvendo milhares de pacientes, já estão sendo feitos nesse sentido para testar a eficácia do método. Um grupo de cientistas franceses, por exemplo, vem acompanhando desde 2014 voluntários submetidos ao expediente. Eram pessoas com maior risco de sofrer com o câncer de pulmão (tabagistas, com história familiar da doença…), mas sem a enfermidade. Com o rastreamento por “biópsia líquida” é possível identificar sinais muito iniciais e, assim, fazer um diagnóstico mais ágil. Nesse acompanhamento, todos os pacientes estão bem. Afinal, com diagnóstico precoce beiram 100% as chances de cura.
No A.C.Camargo Cancer Center desenvolvemos diversos estudos com a tecnologia para verificar a resposta de tumores ao tratamento e aprimorar a indicação individualizada do plano terapêutico. Temos dois extensos projetos utilizando células tumorais circulantes e DNA tumoral livre. Entre os alvos das pesquisas estão os cânceres de pulmão, mama, rim, o colorretal e sarcomas (tumores de partes moles). Com a expansão do uso da biópsia líquida, mais brasileiros se beneficiarão da nova era de precisão no combate ao câncer.
* Dra. Ludmilla Thomé Domingos Chinen é farmacêutica-bioquímica e pesquisadora do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo