No início de junho, depois de 18 anos, a FDA, agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, aprovou uma nova droga para tratar pacientes com Alzheimer. O fármaco é o primeiro desenvolvido para combater o declínio cognitivo relacionado à doença. Mas a comercialização do medicamento está condicionada a uma nova fase de testes, uma vez que um grupo de pesquisadores independentes ainda questiona sua real eficácia. Mas, mesmo com essa ressalva, a notícia denota uma luz no fim do túnel para uma patologia que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, acomete 35,6 milhões de pessoas no mundo.
Pesquisas para descobrir quais fatores contribuem para o desenvolvimento do Alzheimer e de outras demências já comprovaram que a hipertensão arterial (HA) tem sua parcela de responsabilidade na história. Além de bem estabelecida como principal causa de AVC (acidente vascular cerebral), a HA é uma patologia crônica multifatorial, que se caracteriza pela elevação persistente da pressão arterial – o que faz dela um atalho para doenças cardiovasculares.
Segundo a última Diretriz de Hipertensão Arterial, publicada em 2020, a HA foi implicada como agente do declínio cognitivo, exercendo papel patogênico tanto nas demências de origem vascular quanto na doença de Alzheimer. E as demências estão entre as principais causas da perda de qualidade de vida entre idosos.
Como a pressão alta afeta a cabeça
Uma das explicações para a correlação entre Alzheimer e hipertensão é que a pressão alta, com o tempo, danifica as artérias, comprometendo a distribuição do sangue pelo corpo.
Já as demências vasculares podem ocorrer devido a AVCs e microinfartos. A somatória de várias pequenas lesões ou de poucas e grandes lesões desse tipo colabora para o aparecimento de demências do tipo vascular.
Nas duas situações, o sangue – que é o condutor de oxigênio e nutrientes necessários para que os órgãos exerçam suas funções – encontra as “estradas” comprometidas e não consegue levar os “alimentos” com a mesma eficácia. Dessa forma, as funções cerebrais ficam prejudicadas, com risco de ocorrer desde falta de concentração e memória até doenças mais graves, como as variadas demências.
Um estudo recente, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com coparticipação da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), apurou que idosos hipertensos apresentavam uma probabilidade 168% maior de desenvolverem algum tipo de demência. Uma pesquisa chinesa, nos mesmos moldes, trouxe resultados corroborativos: lá, pessoas acima de 80 anos diagnosticadas com hipertensão tiveram 193% mais risco de enfrentarem um transtorno cognitivo leve e evoluírem para demência.
A estimativa é de que cerca de 25% dos brasileiros sejam hipertensos e, após os 60 anos, esse percentual sobe para aproximadamente 65%. Nas faixas etárias mais jovens, a pressão arterial é mais elevada entre homens, mas, após os 60 anos, as mulheres ficam mais sujeitas ao problema.
Não custa frisar: a hipertensão desencadeia doenças cardiovasculares (principais causas de morte, hospitalizações e atendimentos ambulatoriais no mundo), além de doenças renais crônicas e morte prematura.
Linha de combate
Mas, se a hipertensão pode dar sua contribuição negativa para os quadros de demência, na contramão temos os tratamentos anti-hipertensivos, que tendem a ajudar na prevenção de doenças como Alzheimer.
Vários trabalhos pelo mundo já foram feitos nesse sentido e os resultados são animadores. Eles apontam para uma relevante diminuição nos riscos de evolução de demências senis em pacientes que passam a controlar a hipertensão com o uso de medicamentos na terceira idade. O tema é tão relevante que foi debatido em profundidade durante o 41º Congresso Virtual da Socesp, realizado entre 10 e 12 de junho de 2021.
Além da hipertensão arterial, outras doenças, como depressão e diabetes, estão relacionadas com demências senis. O mesmo vale para a falta de vitamina D: estudos indicam que a deficiência dessa substância é mais prevalente em pacientes com diagnóstico de demência. Precisamos ficar de olho nisso tudo.
O que não dá para perder de vista, em qualquer idade e situação, é a importância de fazer atividade física regular, seguir uma alimentação saudável, não fumar, não abusar de álcool e exercitar o intelecto.
Pode até parecer uma receita simplista para combater ou prevenir tantos estragos que algumas doenças provocam em nosso corpo. Mas aí está a melhor notícia: evitar a chegada de males ainda obscuros para a ciência, como o Alzheimer ou patologias cardiovasculares, está ao alcance de uma grande parcela da população, com custo acessível ou até mesmo zero.
*Roberto Dischinger Miranda é cardiologista e geriatra da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), assessor científico da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo) e um dos autores das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (2020)