Novo remédio contra Alzheimer reforça importância do diagnóstico precoce
Investigação sobre a doença não deve ser apenas atribuição do neurologista. Outras especialidades médicas podem (e devem) se envolver no rastreamento

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou recentemente o medicamento donanemabe, comercializado sob o nome Kisunla, para o tratamento das fases iniciais do Alzheimer.
Essa aprovação representa um avanço significativo no cuidado de pacientes que apresentam comprometimento cognitivo leve ou demência leve associada à doença.
Mais do que um novo tratamento, a chegada desse medicamento reforça uma mensagem urgente para a comunidade médica: o rastreamento precoce de alterações cognitivas leves precisa se tornar uma prática rotineira entre médicos de diferentes especialidades.
O que é o donanemabe?
Trata-se de um anticorpo monoclonal desenvolvido para se ligar à proteína beta-amiloide, cujo acúmulo no cérebro está associado à progressão do Alzheimer. Ao se ligar a essas proteínas, o medicamento auxilia na redução das placas amiloides, retardando o avanço da doença.
O tratamento com Donanemabe é feito por meio de infusões intravenosas mensais, aplicadas em ambiente hospitalar ou ambulatorial especializado. Antes de iniciar o tratamento, é necessário confirmar a presença de placas amiloides no cérebro, por meio de exames como o PET scan ou análise do líquor.
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Para quem é indicado?
Segundo a Anvisa, o donanemabe é indicado para adultos com comprometimento cognitivo leve ou demência leve associada ao Alzheimer, que tenham resultado positivo para a presença de beta-amiloide no cérebro.
A indicação também leva em conta o perfil genético do paciente, particularmente a presença do gene APOE ε4, que pode aumentar o risco de efeitos adversos. Pacientes homozigotos para esse gene, por exemplo, não devem utilizar a medicação.
Quais são os efeitos colaterais?
Os efeitos colaterais mais comuns incluem reações à infusão (como febre, náuseas, dor de cabeça e calafrios), além de alterações cerebrais detectadas por imagem, conhecidas como ARIA (anormalidades relacionadas à amiloide).
Essas alterações podem envolver inchaço ou micro-hemorragias cerebrais, exigindo monitoramento cuidadoso durante o uso do medicamento. Por isso, a indicação de um profissional treinado, que julgue bem os riscos, e benefícios para cada caso é essencial.
O que é comprometimento cognitivo leve
O comprometimento cognitivo leve (CCL) é uma condição caracterizada por pequenas alterações na memória, atenção e raciocínio, que não interferem de forma significativa na autonomia do paciente. Em muitos casos, é o primeiro sinal detectável de uma doença neurodegenerativa em desenvolvimento — como o Alzheimer.
É importante lembrar que nem todo CCL evolui para demência, mas o risco é real. E é justamente nessa fase que o donanemabe tem seu papel mais promissor.
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Rastreamento: como e quando fazer
Com o surgimento de um tratamento eficaz para as fases iniciais do Alzheimer, o rastreamento de alterações cognitivas leves deixa de ser apenas recomendável — e passa a ser necessário.
Pacientes com fatores de risco cardiometabólicos, como obesidade, diabetes tipo 2, colesterol alto e hipertensão arterial, têm maior chance de desenvolver alterações cognitivas. E são exatamente esses pacientes que já se encontram nos consultórios do clínico geral, endocrinologista, cardiologista, reumatologista, ginecologista e geriatra, entre outras especialidades.
Esses profissionais estão diante do cenário ideal para promover uma abordagem ativa de rastreamento, por meio de perguntas direcionadas, testes cognitivos simples e encaminhamento adequado. Ao fazer isso, não apenas aumentamos as chances de diagnóstico precoce, mas também ampliamos as oportunidades de intervenção eficaz.
O teste que o Ministério da Saúde e s especialistas recomendam é o 10-CS (10-Point Cognitive Screener). Trata-se de uma ferramenta simples e rápida, que ajuda a identificar, de forma precoce, alterações na memória, na linguagem e em outras funções cognitivas importantes, mesmo quando os sintomas ainda são sutis e podem passar despercebidos no dia a dia.
Assim, o 10-CS é um recurso valioso para orientar a necessidade de avaliações mais detalhadas e permitir intervenções que promovam mais qualidade de vida e bem-estar.
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Conclusão
A aprovação do donanemabe no Brasil é uma conquista científica que precisa ser acompanhada de mudança de cultura no cuidado com o envelhecimento cerebral. Hoje, com o que sabemos, o diagnóstico precoce e o rastreamento ativo podem mudar o curso da doença.
Cuidar do cérebro começa antes dos esquecimentos graves. Começa com atenção aos sinais sutis, aos pequenos esquecimentos, ao “não é mais como antes” — especialmente em pacientes com fatores de risco já conhecidos da medicina.
O futuro do tratamento do Alzheimer começa agora, com o olhar atento de quem está na linha de frente do cuidado.