Meu nome é Kevin Quaid, o mais velho de uma família de seis irmãos. Sou casado com Helena e tenho três filhos, três enteados e sete netos.
Passei minha vida trabalhando com construção civil, tive uma boa educação e passei vários anos estudando psicologia na universidade. A vida teve seus altos e baixos: os níveis de estresse eram altíssimos, fui hospitalizado aos 40 anos com problemas de pressão arterial, perdi minha casa, meu negócio e tudo o que tinha.
No entanto, os sonhos ainda eram muitos, já que me via como um homem forte e resiliente aos 53 anos. Foi quando recebi o diagnóstico de Parkinson e demência por corpos de Lewy (provocada pelo acúmulo de uma proteína nas células nervosas).
Demorou um tempo, mas finalmente eu e minha família aceitamos o diagnóstico. Meses depois, decidi que não deixaria esse mesmo diagnóstico me definir ou arruinar minha vida.
A paixão pela escrita foi aliada desse processo. Escrevi meu primeiro livro contando minha história – fui uma das primeiras pessoas no mundo a escrever uma obra sobre demência de corpos de Lewy do ponto de vista do paciente.
Certo dia, um jovem brasileiro, Fernando Aguzzoli, representando a Associação Crônicos do Dia a Dia (CDD), me ligou perguntando se eu estaria interessado em fazer o Caminho de Santiago, na Espanha, com ele e um grupo de pessoas.
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Ele se referia ao projeto Walking the Talk for Dementia, que reuniu cerca de 70 pessoas de quase 30 nacionalidades para um grande desafio: caminhar juntos os 40 quilômetros finais de uma das mais notórias peregrinações do mundo, o Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.
A jornada seria dividida com profissionais de saúde, ativistas e pessoas como eu, vivendo a demência em primeira pessoa. Eu respondi que caminhava usando uma bengala, e ele me disse, muito seguro de si: “Se você quer fazer isso, faremos acontecer juntos”.
Eu chorei naquele dia. Era a oportunidade que desejava de mostrar que ainda estou aqui. Que estou vivo!
O Caminho de Santiago foi um milagre para mim. Esse desafio não passava de um sonho que qualquer médico ou conhecido dizia ser impossível, considerando meu estado de saúde.
A jornada é difícil de explicar. Eu encontrei uma parte interna de mim que achava já ter encontrado – mas que, na verdade, estava escondida.
Após o diagnóstico, tornei-me um defensor incansável da causa. Mas, enquanto estava no Caminho, descobri forças que nunca pensei serem possíveis. Às vezes, isso acontecia quando estávamos em grupo, e muitas vezes quando estava sozinho comigo mesmo.
Pude perdoar emoções que me assombravam, pude descobrir um amor genuíno e altruísta. Eu levei semanas para tentar voltar à minha vida normal na Irlanda depois dessa grande aventura na Espanha.
Demorou, mas por fim entendi que não existe mais o antigo Kevin. Este ficou no passado!
O Walking the Talk for Dementia me mostrou um novo eu, mais capaz e orgulhoso de si, ainda mais empoderado de seu diagnóstico e decidido a viver e mudar a vida de outras pessoas. Esse é o meu novo normal.
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Para aqueles que têm demência ou cuidam de um familiar querido, nunca desistam de um sonho.
Comecem fazendo uma lista de tudo o que desejam fazer – e que seja longa. Escolham aquela coisa mais simples e básica, e coloquem-na no topo da lista: um tempo para si, uma xícara de café ou um jantar especial. Risque um por um.
Talvez eu não realize todas aquelas atividades na minha lista, talvez não o faça da forma como imaginava para a maioria delas. Mas ficar para trás não é mais uma opção pra mim.
Ah, e não esqueçam de incluir um Caminho em sua lista – ainda que seja um Caminho próximo de você, uma versão mais curta, adaptada e factível.
*Kevin Quaid foi diagnosticado com Parkinson e demência por Corpos de Lewy. É vice-presidente do Grupo de Trabalho Europeu de Pessoas com Demência