“Nenhum médico viu meus olhos”: quando o hipertireoidismo afeta a visão
Farmacêutica conta sobre seu diagnóstico de DOT, doença ocular da tireoide, um quadro raro que pode ser negligenciado por anos
A doença ocular da tireoide (DOT), ou oftalmopatia de Graves, é uma condição autoimune geralmente associada ao hipertireoidismo.
Seus sintomas são confundidos com alergias oculares: irritação, sensibilidade à luz, inchaço ao redor dos olhos e lacrimejamento excessivo. Com o tempo, esses sintomas podem se agravar, levando a complicações como o aumento de gordura na órbita ocular. Isso pode deixar os olhos saltados e causar visão dupla.
Um diagnóstico rápido e preciso é essencial para o tratamento, mas minha experiência mostrou que essa nem sempre é a realidade.
Minha trajetória com a DOT trouxe e ainda traz desafios que vão além de alterações na tireoide e a mudança de aparência, com os olhos mais evidentes. Como ocorre com outras doenças raras, nossos sentimentos e o modo como essas mudanças físicas e emocionais afetam nossas vidas não são compartilhadas pelas outras pessoas.
Daí a importância de conhecer sobre a doença e os impactos que ela pode trazer.
Quando fui diagnosticada com hipertireoidismo, em 2015, os sinais da DOT surgiram rapidamente. Porém, eles não receberam a atenção necessária dos médicos. Talvez por falta de conhecimento, talvez por não compreenderem a relação entre o hipertireoidismo e a DOT, ou por não enxergarem a necessidade de um diagnóstico multidisciplinar, que envolvesse outros especialistas.
Essa falta de informação prolongou minha jornada com a doença, tornando-a mais difícil do que deveria. Tanto para os médicos, quanto para os pacientes, a falta de informação tem levado pessoas como eu a lidar com consequências que poderiam ter sido evitadas se eu tivesse recebido o tratamento adequado a tempo.
A DOT não é uma condição que ameaça a vida, mas seu impacto no bem-estar psicológico e social é significativo.
No meu caso, mesmo após duas cirurgias de descompressão orbital, que tem por finalidade alocar os olhos para dentro da órbita — e, assim, preservar a visão e diminuir o desconforto —, ainda convivo com limitações visuais.
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Passei por vários sentimentos até aqui. O primeiro deles, sem dúvida, é a angústia de perceber que algo está errado com meu corpo, mas não saber o que é, ou onde buscar informações para entender os sintomas ou qual especialidade médica buscar. Passei por uma infinidade de profissionais, mas nenhum médico viu meus olhos.
Consequentemente, também deixei de procurar alternativas para tratar os sintomas que já estavam comprometendo minha visão.
Entre o diagnóstico e o tratamento adequado, passaram-se anos.
Tendo enfrentado a doença de forma dolorosa, solitária e sem perspectiva de ter uma qualidade de vida melhor, mas encontrei médicos que me fizeram entender que eu posso e mereço todos os cuidados necessários para melhorar a minha condição. Mãos amorosas foram estendidas e percebi que não caminho sozinha.
A passos de formiga, existem pessoas que estão lutando para que pacientes com DOT sejam vistos com mais seriedade, respeito, dignidade e recebam os cuidados necessários.
Depois de ter vivido tudo isso, espero que essas mesmas cicatrizes amorteçam a caminhada de outras pessoas. O primeiro passo está sendo dado, mas precisamos que mais gente conheça a doença e a realidade de quem a enfrenta. Para que tenhamos sucesso nessa caminhada enquanto pacientes, precisamos nos tornar responsáveis pela causa e usar nossa voz e experiência para chegar a mais lugares e pessoas.
Mesmo lidando com tantas dificuldades e sem perspectivas de melhora, algo dentro de mim me permite deixar vir à tona todos esses sentimentos de vulnerabilidade, de incertezas, mas jamais desistir.
Isso porque hoje eu sei que, além de mim, muitas pessoas sofrem com dores semelhantes. Por isso, eu também preciso continuar e mostrar que somos muito mais do que nossa aparência e nossos sintomas.
Somos pessoas raras, não apenas pelas limitações trazidas pela DOT, mas pela resistência, coragem e resiliência para lidar as dificuldades. Também carregamos a certeza de que essas dores serão transformadas em dias melhores.
*Letícia C. Roriz Ribeiro Azevedo é farmacêutica e convive com a DOT desde 2015