Eu sou psicóloga e portadora de urticária crônica espontânea (UCE) e já me vi deformada por diferentes edemas em partes do rosto. Me desfigurei em segundos o que, além do susto, me impediu de sair na rua, trabalhar e conviver normalmente.
A coceira, que também me manteve em casa por não conseguir vestir uma roupa ou um sapato, deixou eczemas e lesões que assustaram a mim mesma e as pessoas que perguntavam o que eu tinha. Os cuidados cotidianos e as mudanças de hábitos para zelar pela pele passaram a ser uma prioridade.
Mas a incerteza de uma crise possível é uma ameaça constante.
Quando se tem uma doença de pele crônica — como dermatite atópica, psoríase, urticária crônica espontânea, alopecia e tantas outras — é preciso levar em conta como fica a saúde mental dos pacientes para não desconsiderar os impactos psicológicos nessas situações.
Para acompanhar e cuidar dos efeitos emocionais, busquei tratamentos médicos que não consideraram somente a minha pele, mas eu inteira como pessoa. Se não fosse assim, teria dificuldade em reconhecer as consequências dessas doenças.
É fundamental considerar a condição emocional resultante desses quadros como algo que pode gerar novos gatilhos para o ciclo da enfermidade e seu sofrimento.
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Qual é a relação entre pele e saúde mental?
A relação entre pele e saúde mental é bastante instigante e precisa ter a devida atenção para não cair no julgamento viralizado como “mimimi”, que desqualifica todos os sentimentos e percepções singulares de quem sofre.
A atenção à saúde mental é imprescindível para todo e qualquer cuidado em saúde. Muita gente banaliza as emoções como se fosse uma escolha consciente ter ou não ter sintomas psicológicos. O psiquismo não está separado do corpo, mas se compõe com ele.
O que não se pode desconsiderar é que ele não é a causa de muitas dessas doenças, que são resultado de combinações entre fatores biológicos e ambientais. Mas, certamente, a saúde mental vai influenciar na melhora ou piora das enfermidades. Neste sentido, é preciso ter espaço para escuta, fala, consideração e cuidado.
O mais profundo é a pele
O poeta francês Paul Valéry tem uma frase que eu gosto muito: “O mais profundo é a pele”. A ideia desse pensador vai na contramão da forma em que, geralmente, se lida com o maior órgão do corpo humano. Essa espécie de invólucro que delimita o que está dentro e o que está fora do organismo é mais importante e significativo do que na prática se reconhece.
É ela que envolve e protege o corpo, impedindo a entrada do que não deveria ser absorvido, porosa o suficiente para eliminar o que precisa sair. É através dela que a estrutura física contata com o mundo. Mas não é só para a materialidade que a pele tem relevância. É ela que abarca órgãos, pensamentos, sentimentos e até sonhos.
É ela que arrepia quando somos tomados por emoções, quando ouvimos uma música que mexe com a gente. É ela que faz vazar o suor que regula a temperatura corporal. É a pele que ruboriza quando a vergonha se manifesta. É na pele que as marcas do tempo se dão. Aquelas que nem sempre gostamos de mostrar, mas que registram a passagem da vida.
É, literalmente, na pele que muitas emoções são sentidas. É muito comum fatores como o estresse da vida contemporânea impulsionarem crises. Esse modo de vida atual acelerado não respeita o tempo necessário para o corpo se recuperar.
Como lidar com o sofrimento
A ansiedade e a depressão podem se revelar na origem ou como decorrência dos efeitos dessas doenças. Quem sofre de doenças da pele tem sua autoestima afetada. Não conseguir esconder a parte do corpo que evidencia a doença gera sofrimento. Mostrar também.
Surgem então os preconceitos relacionados às doenças dermatológicas, que acabam fazendo com que os pacientes se sintam excluídos de diversas situações, ou julgados, recebendo opiniões e conselhos pouco científicos e não solicitados sobre o que devem ou não devem fazer em relação ao seu padecimento.
Para que as pessoas com doenças crônicas de pele, possam se sentir melhor compreendidas e menos sozinhas, é necessário conversar mais sobre a pele e as emoções. Além da busca por atendimento psicológico, seja individual ou em grupo, é muito importante compreender como e o quanto o psiquismo pode acionar gatilhos, disparando crises ou, por outro lado, como a doença pode gerar sintomas psicológicos.
Sentir-se menos sozinha. É o que acontece quando escrevo estas palavras, e por outros bons encontros que a doença tem proporcionado, que contribuem significativamente para a minha saúde mental. Precisamos compartilhar informações, sentimentos e apoios mútuos para que continuemos motivados nos tratamentos, com maior investimento emocional de todos nós.