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Sexualidade e câncer: uma questão esquecida

Preocupações com a doença e reações do tratamento abalam a vida sexual. Mas a conversa franca e o apoio profissional podem driblar as dificuldades

Por Ricardo Caponero, oncologista*
Atualizado em 8 mar 2021, 16h00 - Publicado em 8 mar 2021, 09h20
ilustração de casal na cama
Tratamento do câncer pode ter efeitos colaterais na sexualidade. Mas dá para contornar os problemas.  (Ilustração: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
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Quem tem um diagnóstico de câncer não consegue pensar em sexo. Esse é o primeiro problema que afeta a sexualidade de grande parte dos pacientes. Angústias relacionadas ao diagnóstico, à possível evolução da doença e ao receio dos eventos adversos do tratamento ocupam os pensamentos durante o dia e tiram a vontade e a concentração em outras atividades. Isso vale para a vida sexual, mesmo quando entendemos a sexualidade e a sensualidade como algo que vai muito além do intercurso sexual.

Além das preocupações e das repercussões emocionais, a própria imagem corporal pode ser afetada em situações comuns aos tratamentos, como uso de sondas, drenos e curativos, queda de cabelo, feridas, enjoo, diarreia etc. Todos esses efeitos colaterais podem prejudicar a expressão da sexualidade.

O parceiro sexual, convivendo com as dificuldades do paciente em tratamento oncológico, pode se afastar (mesmo estando presente) e evitar tocar no assunto para que isso não pareça uma “cobrança”, justamente num momento em que o outro não está bem. Só que esse silenciamento, para quem já não se sente atraente e está com outras preocupações, afasta o diálogo sobre a sexualidade. E a intimidade é preenchida pelo silêncio.

Os tratamentos utilizados também podem comprometer diretamente o desejo sexual — isso acontece, por exemplo, com as terapias hormonais para tumores de mama e próstata. Já certos medicamentos empregados na quimioterapia podem ficar presentes em secreções por até 72 horas após a administração, implicando na necessidade de cuidados. Da mesma forma, certos procedimentos cirúrgicos limitam temporariamente as atividades sexuais.

Sim, podem aparecer muitos problemas, mas o maior deles é deixar que sejam vistos como “normais” nessa fase da vida e, por consequência, ignorados. Tanto no dia a dia do casal como nas consultas médicas, onde assuntos “mais importantes” sobre a doença e o tratamento ocupam a cena. A falta de diálogo entre os parceiros se estende aos profissionais. Tudo fica no terreno do não dito. Não deveria ser assim.

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Novas opções terapêuticas e intervenções precoces tornam a cura do câncer cada vez mais provável e, mesmo quando isso não é possível, prolongam o tempo de vida após o diagnóstico para a maioria dos pacientes. No entanto, muitos dos “sobreviventes” acabam tendo que conviver com as sequelas e limitações impostas pela doença e o tratamento. Mais da metade dos pacientes não recupera sua sexualidade após o câncer ter desaparecido.

Mas há solução para esse cenário. Ela começa com a discussão do assunto junto aos profissionais e à equipe multidisciplinar que assistem ao paciente e sua família. Se ninguém traz o problema à tona, nenhuma saída é apresentada.

O diálogo sobre a sexualidade ainda esbarra em preconceito, na formação inadequada dos profissionais e na dificuldade que se tem em falar sobre sexo no consultório, ainda mais em uma época que preza pela pluralidade ao mesmo tempo em que pede cautela para certas abordagens não soarem a assédio.

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A solução é sempre a conversa franca, séria, gradual e que, se não partir do profissional, deve partir do paciente. Só trazendo luz para o problema é que construiremos soluções.

* Ricardo Caponero é médico oncologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo

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