Rastreio do câncer de próstata deve considerar diversidade do país
Para encerrar o Novembro Azul, uma reflexão sobre a polêmica envolvendo o rastreamento dos tumores na glândula
Não é exagero dizer que o câncer de próstata é um dos principais desafios de saúde pública do país hoje. Até 2025, serão 72 mil novos casos por ano.
Essa realidade exige atenção urgente, especialmente considerando que os homens negligenciam a própria saúde, e, por vezes, são negligenciados por políticas públicas que não levam em conta a diversidade da população brasileira.
Recentemente, o Ministério da Saúde, por meio de uma nota técnica divulgada pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), desaconselhou o rastreamento populacional de câncer de próstata. O documento baseia-se em referências internacionais, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido.
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Entretanto, o status socioeconômico e cultural do Brasil exige uma abordagem mais ajustada à nossa realidade.
Considerar fatores como histórico familiar e origem genética, esta segunda especialmente importante na população afrodescendente, é primordial para identificar grupos de maior vulnerabilidade.
A preocupação central é que a recomendação de não rastreamento de homens no Brasil ignora uma estatística fundamental: homens negros têm o dobro de chances de desenvolver câncer de próstata.
A representatividade insuficiente em estudos clínicos intensifica essa desigualdade, comprometendo a base científica das decisões de saúde.
Alguns países recomendam discussões individuais entre médicos e pacientes, considerando riscos e benefícios. No entanto, a realidade brasileira, marcada pela iniquidade não só na saúde, torna essas discussões menos acessíveis e mais raras.
A prática da vigilância ativa, embora adequada para casos de baixo risco, enfrenta desafios significativos no Brasil, especialmente no que diz respeito ao acesso no Sistema Único de Saúde (SUS). Com 18% dos pacientes diagnosticados em estágios avançados, a necessidade de rastreamento é ainda mais evidente, especialmente para aqueles em áreas remotas, com limitado acesso aos serviços de saúde.
As principais sociedades médicas sugerem que a estratificação de risco seja feita desde os 40 anos para grupos de maior vulnerabilidade, como afrodescendentes e aqueles com histórico familiar. Para outros grupos, o início por volta dos 50 anos é a recomendação.
A detecção precoce é importante, pois a maioria dos casos de câncer de próstata não apresenta sintomas visíveis. No nosso entendimento, a recomendação do Ministério da Saúde e do INCA deve ser reavaliada à luz das particularidades brasileiras.
A estratificação de risco, com ênfase na representatividade da população afrodescendente, é uma abordagem mais alinhada com nossa realidade. O Brasil não pode ignorar o fato de que, ao não recomendar o rastreio, podemos estar comprometendo a saúde de uma parte significativa da população masculina.
O diálogo entre ciência, política pública e conscientização é essencial para garantir que todos os homens tenham a oportunidade de um diagnóstico precoce e tratamento eficaz, independentemente de sua origem ou situação socioeconômica.
* Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, e Igor Morbeck, oncologista clínico, especialista em tumores urológicos e torácicos, membro do comitê científico do Instituto Lado a Lado pela Vida