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Por que é injusto criticar o sistema de saúde pela epidemia da dengue

Especialista aponta fatores estruturais, como falta de saneamento básico e bolsões de pobreza, como causas importantes para a epidemia atual de dengue

Por Fábio Leite Gastal, coordenador científico da feira Hospitalar*
30 abr 2024, 12h03
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Descarte inadequado de lixo é uma causa importante da atual epidemia de dengue  (Ilustração: Eber Envangelista e Laura Luduvig/Veja Saúde)
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Nos últimos dias, temos visto cenas nos telejornais de pessoas com suspeita de dengue revoltadas com a demora no atendimento das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Na cidade de São Paulo, por exemplo, cidadãos se juntaram para esmurrar a porta e invadir o consultório de um médico em pleno atendimento. 

Não é de hoje que o Brasil enfrenta a explosão de casos da doença, mas realmente a situação atual é extremamente grave. São 3,8 milhões de casos prováveis, com 1 657 mortes confirmadas e 2 205 sob investigação. Se não bastasse a dengue, as salas de espera das UBS estão lotadas de pessoas com doenças prevalentes no outono, como gripe, resfriado e a própria Covid-19. 

Criticar o sistema de saúde pela morosidade no atendimento dos casos de dengue é uma tremenda injustiça. O aumento na incidência dessa arbovirose resulta de problemas estruturais que o Brasil reluta em resolver, como a falta de saneamento básico, o crescimento desordenado das cidades – o que gera grandes bolsões de pobreza –, a deficiência da limpeza urbana e a baixa qualidade de ensino da população.

Os Estados e municípios têm postergado a solução da questão do saneamento básico, porque é um  tipo de obra que não agrega votos por ser subterrânea. Em pleno século 21, apenas 6 a cada 10 brasileiros moram em domicílios conectados à rede de esgoto. E 24,3% da população, o equivalente a 49 milhões de pessoas, vivem sem acesso ao esgotamento sanitário e à fossa séptica.

+Leia também: Grávidas demandam precauções extras com a dengue

A falta de políticas públicas para conter a expansão urbana sem planejamento é outro problema recorrente no país. Os bolsões de miséria, que se formam nas franjas do tecido urbano, concentram uma quantidade enorme de pessoas e pouquíssimas áreas verdes. Em geral, o saneamento básico e a coleta de lixo não chegam a esses bairros periféricos, que se transformam em verdadeiros criadouros do mosquito Aedes aegypti

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Soma-se a essa realidade a produção em larga escala de produtos descartáveis, como copos, embalagens para alimentos, garrafas pet e latas. Jogados em quintais, terrenos baldios, ruas e calçadas, esses recipientes acumulam a água das chuvas, favorecendo a proliferação dos mosquitos. 

Indicadores educacionais associados ao analfabetismo e à baixa escolaridade apresentam correlação direta com a incidência da dengue. Por um lado, essa correlação deriva do fato de que os indivíduos com pouca instrução tendem a ser menos qualificados, receber salários mais baixos e viver na periferia dos grandes centros urbanos.

Do ponto de vista individual, a maior escolaridade permite ao indivíduo ter mais conhecimento em relação à dengue, ser mais receptivo às campanhas educativas e adotar atitudes e práticas preventivas, como o uso de repelentes e descarte correto do lixo e de recipientes que podem armazenar água parada.

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No Congresso Internacional de Serviços em Saúde (CISS), que ocorrerá na 29ª Hospitalar, nós iremos discutir formas de tornar o sistema de saúde mais eficaz, seja pelo uso da tecnologia ou pela remuneração baseada no risco individual do paciente. Assim, quem sabe, possam sobrar recursos para a execução de políticas inclusivas, como a melhoria das condições sanitárias, da moradia e da educação no país.  

*Fábio Leite Gastal é médico, presidente do Conselho da ONA (Organização Nacional de Acreditação) e coordenador científico da Hospitalar.

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