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Por que alguém se machucaria de propósito?

Compreender a autolesão como forma de comunicação é essencial para oferecer acolhimento e ajudar quem sofre a transformar dor em expressão

Por Mariana Schamas-Esposel, cinesiologista e Otávio Augusto de Melo, psicólogo*
15 nov 2025, 04h00
autolesao
A autolesão é um grito por ajuda (Jacques Hugo/Getty Images)
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Por que alguém se machucaria intencionalmente? A primeira resposta que me vem é simples e direta: porque essa pessoa não está bem. O indivíduo que se automutila não quer se matar, ele quer comunicar — é um pedido de socorro.

A autolesão faz parte da classificação internacional NSSI (Non-Suicidal Self-Injury), uma forma de automutilação sem intenção de morrer, em que o indivíduo age de forma deliberada para causar danos ao próprio corpo. Isso posiciona a dor como uma estratégia de regulação emocional (mal adaptativa).

Do ponto de vista clínico, a autolesão é um comportamento de regulação emocional e sensorial: a pessoa tenta lidar com uma dor psíquica ou emocional que se tornou insuportável e encontra no corpo um meio de expressá-la, controlá-la ou transformá-la em algo “visível”.

Ajudar esse sujeito a “decodificar” o ciclo da dor–alívio–outra dor (autolesão) torna-se indispensável. Para aprofundar essa reflexão, convidei o psicólogo e psicanalista Otávio Augusto de Melo, mestre em Psicologia Social, para compor este texto comigo.

Ouvir é o primeiro passo

A realidade que a pessoa sente e diz sentir deve ser o ponto de partida. A automutilação é um sintoma e, portanto, uma forma de comunicação, um elemento de linguagem. Essa narrativa, mesmo que confusa a princípio, sempre revela aspectos importantes. O comportamento é expressão de um psiquismo, podendo ter um sentido destrutivo ou criativo.

Uma alternativa é escutar o sujeito, abrir espaço para a fala, para que ele possa externalizar o sentido de mutilar-se. A fala, minimamente atenta e bem conduzida, ajuda a organizar o pensamento que se apresenta como linguagem e diálogo, sendo promissora em um processo de reconstrução da realidade.

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Durante o percurso é importante auxiliar na compreensão dos processos psíquicos, organizando sentimentos, experiências e o sofrimento vivido. Ousar falar é ousar conhecer a si mesmo: sapere aude — ouse saber, ouse sentir, ouse compreender.

O papel do vínculo e da escuta sensível

A relação entre o falante e o ouvinte deve ser conduzida de forma sensível e cuidadosa. O objetivo não é eliminar toda dor, mas oferecer um apoio real na reorganização da vida de quem sofre, podendo representar um alívio significativo.

A dor nunca é apenas física — ela carrega uma história afetiva.

Toda dor tem um “antes”, uma memória de quando foi experienciada pela primeira vez, em um tempo e condição existencial específicos. Quando essa ligação entre dor e significado se perde, o sofrimento passa a ser vivido como algo sem sentido, difícil de compreender ou expressar.

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Autolesão em jovens

Segundo as diretrizes da NICE (National Institute for Health and Care Excellence), a autolesão pode afetar pessoas de todas as idades, mas a população jovem é a mais atingida.

Trata-se de um ato deliberado de danificar o próprio corpo — cortando-se, queimando-se, arranhando-se, puxando cabelos ou ingerindo substâncias e medicamentos.

Normalmente, quem se machuca não procura o hospital. E quando busca ajuda emergencial, muitas vezes é julgado, o que pode agravar o quadro.

Principais fatores que levam à autolesão

  • Dificuldade em lidar com emoções intensas (raiva, tristeza, vazio, culpa, rejeição);
  • Histórico de traumas, negligência, violência ou abuso emocional;
  • Sensação de desconexão de si mesmo e do mundo — o corpo vira um ponto de ancoragem, algo real e palpável;
  • Necessidade de segurança e controle — a dor física é concreta e previsível;
  • Pedido de ajuda silencioso: o corpo fala quando as palavras faltam.
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O corpo fala quando a palavra falha

O antropólogo David Le Breton, em seu livro Antropologia da Dor (Editora Unifesp), descreve a autolesão como uma linguagem do corpo quando as palavras faltam.

A dor coloca o indivíduo em uma condição de despertencimento — um estado de desequilíbrio que rompe o fluxo natural de suas relações com o mundo. Assim, a autolesão é uma expressão extrema do sofrimento, revelando o impacto da dor sobre a vida social e emocional.

As lesões podem ser uma comunicação simbólica — uma tentativa silenciosa de tornar visível o sofrimento invisível: “olhe para mim”, “estou sofrendo”, “preciso de ajuda”.

Mesmo quando a dor surge de uma causa concreta — como um trauma — ela acontece dentro de uma história de vida e afeta muitos aspectos da existência: as relações, o trabalho, a autoestima e a forma de estar no mundo.

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Quando o afeto se desconecta do seu significado, pode gerar uma agonia profunda, levando o indivíduo a criar mecanismos de escape. Nessa tentativa de aliviar o vazio emocional, algumas pessoas recorrem à automutilação como anestesia e pedido de ajuda.

O tratamento passa por escuta ativa, vínculo e acolhimento — não por punição ou censura. Estabelecer um plano de segurança com o indivíduo e sua rede de apoio é fundamental. É essencial compreender o que a autolesão comunica e oferecer outras formas de expressão e regulação emocional.

A cura começa quando a pessoa é escutada sem julgamento — quando alguém reconhece sua dor antes de condenar seu gesto.

Mariana Schamas-Esposel, BSc Kin, é cinesiologista pela California State University, pós-graduada em dor e coordenadora do curso Dor e Movimento – Prescrição de Exercícios para Pessoas com Dor do Hospital das Clínicas da USP. Otávio Augusto de Melo é psicanalista, psicólogo e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.

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