A narcolepsia é uma doença neurológica que tem como principal sintoma a sonolência excessiva durante o dia. Ela é considerada um distúrbio raro: a maioria dos estudos aponta prevalência inferior a 65 casos a cada 100 mil habitantes.
Uma de suas principais características é a necessidade súbita e incontrolável de dormir e a presença de ataques de sono, geralmente associados a alterações no sono noturno. No dia a dia, os pacientes podem relatar que suas noites não são reparadoras.
Na narcolepsia, ocorre o deslocamento do estágio REM do sono (o mais profundo) não somente durante o sono noturno mas também durante a vigília. Com isso vêm as manifestações clínicas do quadro: sonolência excessiva diurna, paralisia do sono, alucinações hipnagógicas (a sensação de “sonhar acordado”), cataplexia (perda do tônus muscular) e fragmentação do sono.
Estudos mostram que cerca de 57% dos pacientes ainda apresentam depressão e 53%, transtorno de ansiedade. É fato que o conjunto de sintomas e repercussões trazem impacto negativo direto sobre aspectos sociais, profissionais e familiares, comprometendo a qualidade de vida de quem tem narcolepsia.
Os impactos no dia a dia
Causada por fatores genéticos e autoimunes, a narcolepsia costuma começar a se manifestar na segunda década de vida, ou seja, na adolescência ou no início da vida adulta. Estima-se que um terço dos pacientes apresentem sintomas antes dos 15 anos. Tudo isso torna maior o desafio do diagnóstico precoce.
Em geral, observa-se um atraso médio de 13 anos entre o início dos sintomas e a detecção correta da doença. Esse atraso deve-se, em parte, ao desconhecimento da narcolepsia pela população e mesmo pelos profissionais de saúde, incluindo médicos, o que demonstra a necessidade de maior conscientização sobre o tema.
Outro ponto comum é que os pacientes relatam problemas com horários e pontualidade, perdem oportunidades de estudos, empregos e relacionamentos, sendo por vezes estigmatizados como preguiçosos ou irresponsáveis. Em alguns casos, há queixas cognitivas, como desatenção e déficit de memória, situação que pode gerar baixo rendimento acadêmico e profissional.
Nas crianças, o atraso no diagnóstico da doença pode levar a problemas sérios na alfabetização, dificuldades psicossociais, ganho de peso, tratamento medicamentoso incorreto…
A obesidade é mais comum na população com narcolepsia devido a uma desregulação no controle do apetite ou a uma compulsão alimentar. Além do sobrepeso, outras condições, como dores crônicas, hipertensão, doenças autoimunes e transtornos do sono, podem acompanhar o quadro com o avançar dos anos.
A sonolência diurna
A sonolência excessiva diurna é uma queixa frequente em 95% dos casos de narcolepsia. Pode ser intensa, incapacitante, crônica e não progressiva. Costuma ser persistente ao longo do dia, mas também pode se manifestar por meio de ataques súbitos e incontroláveis de sono.
Os ataques de sono ocorrem em situações tão diversas como ao se alimentar, caminhar ou dirigir (o que é um perigo!). Felizmente, cochilos em locais adequados são restauradores e deixam o indivíduo alerta por algumas horas.
A sonolência diurna excessiva, definida como a necessidade súbita e incontrolável de dormir no período de vigília, e os ataques de sono, cochilos súbitos e não intencionais, são os fatores que mais nos levam à suspeita da narcolepsia.
Porém, para firmar o diagnóstico, precisamos excluir outras condições que geram sonolência durante o dia, tais como privação de sono, apneia, uso de medicações com efeito sedativo etc.
A cataplexia, a perda de tônus muscular
Outra característica da narcolepsia, a cataplexia é definida como um episódio de perda súbita do tônus muscular, geralmente bilateral, simétrica e de duração breve (menos de minutos) com manutenção da consciência. É como se a pessoa, desperta, perdesse ação sobre o corpo.
Os episódios são desencadeados por emoções fortes, inclusive positivas, com quase todos os pacientes relatando episódios precipitados por risos, susto ou choro.
A cataplexia pode se apresentar como perda da expressão facial com queda da pálpebra, abertura da boca e protrusão da língua, dificuldade para falar, queda dos braços ou instabilidade na marcha. A gravidade dos sinais é variável, mas a maioria dos ataques é esporádica.
A paralisia no sono
Essa sensação costuma aparecer em quase 60% das pessoas com narcolepsia, porém a frequência é variável. São episódios de incapacidade de se movimentar quando a pessoa está adormecendo ou, mais frequentemente, quando está acordando. Os eventos duram de poucos segundos a minutos, cedendo espontaneamente quando se fala ou toca no indivíduo ou, ainda, se ele próprio tem o pensamento de se movimentar.
Sensação de palpitação, sudorese, tremor e piscar dos olhos, dificuldade para respirar, dormência nas extremidades ou sensação de opressão torácica podem ocorrer junto à paralisia do sono. São sintomas que costumam durar até dez minutos.
As alucinações
Denominadas hipnagógicas e hipnopômpicas, as alucinações ocorrem em dois terços dos pacientes com narcolepsia e pelo menos uma vez por semana em metade deles. Geralmente se apresentam como manifestações visuais e, mais raramente, táteis, auditivas ou somato-sensitivas.
Pode ser uma imagem parada ou um sonho vívido em movimento, como uma pessoa ou animais próximos à cama. A descrição do paciente é como se estivesse sonhando acordado. Logo ao deitar, ele não sabe descrever se está sonhando ou se é a realidade. Nos primeiros minutos da manhã, não sabe se ainda está sonhando ou já acordou.
As alucinações podem estar associadas à paralisia do sono e, quando mal diagnosticadas, são confundidas com sintomas psicóticos, terror noturno, pesadelos ou ataques de pânico.
A fragmentação do sono e o diagnóstico
Cerca de um terço dos pacientes ainda relata fragmentação do sono noturno, com múltiplos despertares ao longo da noite, além da dificuldade de reiniciar o sono. Somada às outras manifestações mencionadas, ela colabora para o impacto na qualidade de vida típico da narcolepsia.
Com diagnóstico correto e algumas intervenções, porém, o paciente pode levar uma vida melhor. É importante dizer que a detecção do quadro é complexa e envolve avaliação clínica e neurofisiológica, além da realização de exames, como a polissonografia. O tratamento pode englobar medicamentos e terapia comportamental.
* Rosana Cardoso Alves é neurologista especializada em Neurofisiologia Clínica e membro da Associação Brasileira do Sono