O que falta para vencermos a batalha contra o câncer na infância?
Especialista revive sua história para abordar os desafios do câncer em crianças e adolescentes
O câncer mata cerca de 9,6 milhões de pessoas por ano em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a enfermidade é a principal causa de morte na faixa etária entre 1 e 19 anos.
Um dos dados estimados pela Organização Mundial da Saúde revela que, em 2030, o número de casos de câncer infantojuvenil chegará a 600 mil em todo o planeta. Somente no Brasil, a cada ano surgem 12 500 novos acometidos pela doença, segundo publicação do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Desse total, 6 200 crianças são tratadas em hospitais públicos e cerca de 4 mil morrem sem ao menos receber o diagnóstico ou ter o tratamento para a doença.
Este ano, um dos números que a OMS destaca é o despreparo de países em desenvolvimento para combater a patologia: 70% das mortes por câncer no mundo ocorrem nestes locais, considerados mal equipados para lidar com os desafios que a doença impõe. O Brasil é um desses exemplos: em média, as chances de cura do câncer infantojuvenil são de 64%, muito aquém de Estados Unidos e Europa, por exemplo, onde chegam a 85%.
Vivemos num país desigual e a cura do câncer também é afetada por isto.
Como superintendente do Instituto Ronald McDonald, organização sem fins lucrativos que tem por missão promover a saúde e a qualidade de vida de crianças e adolescentes com câncer e seus familiares, ando muito pelo Brasil. Seja em reuniões com gestores públicos e tomadores de decisões, seja em contato com a sociedade civil que nos auxilia a mobilizar as comunidades por mudanças, liderando projetos aos quais oferecemos suporte tecnológico, planejamento para busca de soluções e aporte financeiro.
A conclusão a que chego é que existem muitos Brasis no nosso Brasil: verdade que a doença não escolhe credo, cor ou classe social para se manifestar. Mas o desfecho dela depende diretamente de cada uma dessas características.
Há cerca de 30 anos me dedico à causa do câncer infantojuvenil. Quando comecei, lá na década de 1980, lutava com meu filho contra a doença. As chances de cura giravam em torno de 35% no Brasil. Marquinhos havia sido diagnosticado com leucemia, o tipo mais comum de câncer em crianças e adolescentes. No entanto, esgotamos as possibilidades de tratamento.
Meu filho estava desenganado e, como pai, fui buscar outras alternativas de tratamento fora do Brasil depois de realizar uma campanha para conseguir os recursos. Infelizmente meu filho não resistiu, mas decidi me dedicar com o apoio de família e amigos para que outras crianças pudessem ser salvas.
Naquela época, o câncer era uma sentença de morte. Ainda hoje, mesmo com todos os avanços da medicina, ele segue como um tabu, principalmente para aqueles que são alijados do acesso à saúde e do acesso a informações. O conhecimento também ajuda a curar! Devemos enfrentar o câncer com consciência: seja dos profissionais de saúde, seja de pais e responsáveis, que podem estar atentos a sinais e sintomas para buscar rapidamente ajuda especializada.
Há muitos desafios para que o câncer em crianças e adolescentes deixe ser a principal causa de morte de jovens no país: é preciso identificar a doença, encaminhar adequadamente e nos estágios iniciais, fazer um diagnóstico preciso e garantir um tratamento adequado.
Estamos caminhando para que cada um desses passos seja alcançado nos quatro cantos do Brasil. É importante dizer que, sim, há cura. E principalmente, que cada um de nós pode ser um agente no combate à doença.
*Francisco Neves é engenheiro civil por formação. Engajou-se na causa do combate ao câncer infantojuvenil após vivenciar, em 1990, junto com sua mulher, Sônia Neves, e seu filho mais velho, Carlos Neves, a perda de Marcus, o filho caçula. Desde então, se converteu em uma das principais lideranças no Brasil no que diz respeito à causa do câncer em crianças e adolescentes. É um dos fundadores do Instituto Ronald McDonald e assumiu profissionalmente a gestão estratégica da organização, da qual é o atual Superintendente.