Ao longo dos últimos anos, temos deparado com a hipótese de que algum tipo de vício explicaria a forma com que algumas pessoas comem. O impulso de buscar comida, a perda de controle ao comer e a manutenção desse comportamento apesar das consequências negativas (ganho de peso, por exemplo) parecem criar uma espécie de ciclo. Mas, muito antes de qualquer biscoito ter sido oferecido a ratinhos de laboratório ou se estudar a genética dos pacientes, a noção de vício em comida já estava presente no discurso popular.
Com o passar do tempo e das pesquisas, fomos observando que, nesse contexto, o foco na comida em si tem menor relevância. É a relação que as pessoas estabelecem com o comer o que mais importa. Em um estudo recente no Instituto de Psiquiatria da USP, analisei dados de 190 mulheres de um grupo de apoio para transtorno alimentar.
De acordo com a escala de vício alimentar de Yale (uma ferramenta usada em pesquisas do gênero), 95% das participantes apresentavam “vício em comida”. Constatamos ainda que, quanto mais crítica era a pessoa em relação a seu comportamento alimentar, maior a identificação com a noção de vício.
Quando se pensa em autocompaixão, precisamos ter em mente que as pessoas definem formas de lidar com seu sofrimento. No caso da comida, isso pode ser nomeado como dificuldade para se controlar ou “vício”.
E é o que tende a acontecer quando as pessoas são convidadas a responder um questionário sobre vício alimentar, onde se encontram instruções como “esta pesquisa pergunta sobre seus hábitos alimentares no último ano. As pessoas às vezes têm dificuldade em controlar o quanto elas comem certos alimentos”.
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Além de todos os pensamentos e crenças que uma pessoa pode ter ou não nessas circunstâncias, como acreditar ser “viciada em comida”, existe algo que todos os pacientes avaliados vivenciam, o desejo intenso por comida. Ele funciona como um pequeno episódio mental, um filme que passa pela cabeça.
E costuma começar com um pensamento que entra na consciência e seduz o indivíduo com a criação de imagens vívidas, que antecipam o consumo do alimento desejado (como um chocolate). Só que isso se torna problemático se esse filme mental se passa com imagens cada vez mais nítidas e intensas, acompanhado de uma sensação de falta.
Recentemente, uma pesquisa do nosso grupo na USP identificou fatores que aumentam situações do tipo e contribuem para essa sensação de vício por comida. O mais significativo deles é a prática de dietas.
Costumamos desejar aquilo que não temos, e aquilo que é necessário também. A comida é necessária para garantir a manutenção da vida, portanto será desejada. Mas, quando alguém faz uma dieta restritiva, a probabilidade de sentir uma falta e não ver seu desejo realizado aumenta.
Ao se submeter a dietas como a low carb, o sujeito entra em um modo de autocontrole alimentar que, automaticamente, induz o aparecimento e o confronto com pensamentos sobre comida, particularmente com aquilo que não se deve comer. Daí que a ideia de “não poder comer chocolate” se transforma num processo elaborativo (aquele filme mental) e logo a pessoa está imaginando como seria gostoso comer o doce.
Assim, a dieta que busca limitar certos alimentos desperta ainda mais o desejo por eles. O grande desafio atual é lidar com esses desejos em um ambiente que gera tantos estímulos para comer, fora a pressão estética que instiga as pessoas a modificarem seus corpos.
* Jônatas de Oliveira é nutricionista e pesquisador no Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da USP