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Minha experiência de vida com o angioedema hereditário

Paciente com essa doença rara que causa inchaços e dores no corpo relata sua jornada em busca de diagnóstico, tratamento e mais qualidade de vida

Por Ulisses Cavalcanti, pedagogo*
3 nov 2020, 16h14
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  • E lá se vão 58 anos de convívio com o angioedema hereditário (AEH), uma doença rara em que o organismo não produz uma proteína específica chamada inibidor de C1-esterase. Essa substância regula muitas reações do corpo, principalmente as inflamatórias. Na ausência dela, podemos sofrer com inchaços, dores e outros sintomas.

    Na infância, tive poucos sinais da doença. Sempre fiz muito esporte e acredito que isso tenha contribuído para retardar a manifestação do problema. Mas, no fim da adolescência, em função da habitual ingestão de bebidas alcoólicas, comecei a sentir inchaços frequentes nos pés e nas mãos, e eles demoravam muito tempo para voltar ao normal.

    Na vida adulta, com todas as dificuldades naturais desse período, as crises começaram a ficar mais comuns e se concentravam na região abdominal. Passei a identificar uma coincidência de sintomas com os da minha mãe. Após um tratamento dentário, tive um edema na face. Fiquei com o rosto deformado por cinco dias. Já imaginou só conseguir beber água com canudo e ingerir apenas alimentos em forma líquida? Essa era a minha realidade. Foi então que iniciei minha saga em busca de explicações.

    A primeira parada foi num médico especialista em alergia. Realizei vários testes e os resultados foram negativos. Toda vez que tinha uma crise eram de três a cinco dias sem poder trabalhar, sentindo muita dor e desconforto, sem conseguir me alimentar e precisando de uma pessoa da família de plantão para me acompanhar. Quando estabilizava, eu iniciava uma nova busca pelos consultórios. Fui a alergistas, gastroenterologistas, imunologistas, infectologistas… Fiz tratamentos diversos, inclusive com vacinas. Quando menos esperava, apareciam novos inchaços.

    Em paralelo, também acompanhei minha mãe em suas crises bem mais frequentes e graves que as minhas. Sempre resignada, ela dizia que o sofrimento era parte da vida e tentava me convencer com dogmas religiosos. Foram 28 anos vivendo dessa forma e, depois de um enorme susto com uma internação de minha mãe, que durou três meses, nossa saga começou a ter um desfecho favorável. Busquei um novo alergista imbuído do desejo de descobrir o que nós tínhamos.

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    Ao fazer a anamnese, o médico nos disse que os sintomas que relatávamos não tinham relação com alergias. Ele havia voltado de um congresso e tinha assistido a uma apresentação sobre o angioedema hereditário e os sinais eram muito similares aos nossos.

    Fomos a um serviço de imunologia de um hospital e lá tivemos, enfim, o diagnóstico correto e definitivo. Veja só, depois de tantos anos, foi necessária apenas a realização de um exame de sangue específico para cravar o diagnóstico da doença. Tanto sofrimento, restrições alimentares, dias e oportunidades de trabalho perdidas, mas finalmente um caminho se vislumbrava. Foi muito importante saber que comer camarão, colocar um perfume ou lavar a roupa com amaciante não provocavam crises. Iniciei uma nova etapa na minha vida, testando um medicamento profilático para evitar que os inchaços se prolongassem.

    Em paralelo, passei a desenvolver o autoconhecimento, ficando atento aos sinais que o corpo dá, antes e no início das crises, principalmente as abdominais, que são as que mais me afetam. Também percebi que havia um fator desencadeante importante, que era o estresse emocional. Foi aí que aprendi técnicas de relaxamento e dispersão das tensões do dia a dia.

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    Porém, após dois anos de acompanhamento médico, testes de medicação e análises dos exames de sangue, tive que parar de tomar o remédio que vinha tomando, pois meus índices de C1 e C4 esterase não modificavam. Fui apresentado, então, à possibilidade de outra terapia específica para as crises. E esse novo medicamento se somou ao autocuidado, às consultas, às práticas de relaxamento e aos exercícios de baixo impacto para melhorar meu convívio com o AEH.

    A doença impõe certas limitações. Deixar de fazer esportes foi a que mais senti. Mas troquei a academia por caminhadas pela natureza, uma mudança que ajudou a diminuir a frequência das crises, que de mensais passaram a semestrais. Ainda assim, essas crises demandavam idas ao hospital para aplicar o tal medicamento. Eram horas no pronto-atendimento!

    Até que recebemos autorização e treinamento para realizar a autoaplicação em casa mesmo. Isso minimizou muito as dificuldades de mobilidade e as restrições da vida diária, já que uma hora após a medicação sinto que o inchaço começa a regredir. Três horas depois já não tenho mais sintomas.

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    Já falei do meu passado e do meu presente, mas, se for para falar de futuro, minha expectativa é que o desenvolvimento tecnológico permita mais acessibilidade às terapias que são tão inovadoras e importantes para todos os pacientes.

    Por tudo que eu e minha mãe passamos, espero ainda ter oportunidade de vivenciar uma qualidade de vida plena, convivendo com o angioedema hereditário de forma ainda mais amigável. Por fim, desejo que a minha história possa chegar aos médicos para difundir o diagnóstico precoce da doença e a outros pacientes, para que eles tenham ânimo, persistência e motivação em busca de dias melhores, tais como eu consegui alcançar.

    * Ulisses Cavalcanti é pedagogo e trabalha na Assessoria Pedagógica e Estudantil da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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