A jornada para transformar a pesquisa pela cura do câncer
Entidade sem fins lucrativos fomenta o estudo e o acesso a novos medicamentos na área da oncologia na América Latina

São 700 vidas perdidas diariamente para o câncer no Brasil. Um número alarmante que escancara o impacto da doença não só para a saúde pública, mas também para homens, mulheres, jovens, velhos, amigos e familiares.
Em comum, essas pessoas se perguntam: onde está a cura? Do diagnóstico ao tratamento, um pilar fundamental que permite chegar cada vez mais próximo dessa tão sonhada palavra é a pesquisa clínica.
Em resumo, são os estudos com humanos que testam abordagens diferentes e inovadoras para maximizar as chances de derrotar o tumor e restabelecer a saúde.
Sem pesquisa clínica, não temos avanços contra o câncer — ou qualquer outra doença. E nós, as autoras deste texto, percebemos quão transformadora ela pode ser.
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Tomamos consciência de que é fundamental ter pessoas e entidades que se dedicam à causa, incentivando esse ecossistema a fim de atender às necessidades reais da população, nem sempre contempladas a contento pelas indústrias e os governos.
Nossa história começa com um encontro. Eu, Fernanda, vivia em Miami, nos Estados Unidos, em 2009, quando sofri uma hemorragia craniana após uma complicação cirúrgica não relacionada ao câncer.
Foram seis meses entre internações, limitações físicas e dificuldades de comunicação. Essa vivência nos corredores hospitalares despertou uma empatia profunda por outros pacientes — e um forte desejo de transformar sofrimento em ação.
Logo após a recuperação, conheci a Ilma, uma jovem brasileira, também residente em Miami e recém-diagnosticada com um câncer de mama metastático — quando a doença já se espalha para outros tecidos.
Ilma tinha três filhos pequenos e os médicos lhe deram apenas seis meses de vida. Passar por um desafio desses, longe de nossas origens e famílias, nos uniu de imediato.
Encorajada, Ilma buscou uma segunda opinião médica, quando conheceu o oncologista Orlando Silva. Ele confirmou a gravidade da doença, mas lhe ofereceu uma nova possibilidade: por que não participar de um estudo clínico com um tratamento inovador?
Não entendemos muito bem e questionamos o especialista. Como assim participar de um experimento? Ser cobaia? O médico explicou o processo, as vantagens, os riscos…
E Ilma confiou nele e em sua ideia. Inicialmente, ela não conseguiu entrar em um protocolo de pesquisa e seguiu com o tratamento convencional.
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Durante esse período, eu, Fernanda, me transformei em sua cuidadora e parceira, acompanhando-a durante a jornada.
Foi quando começamos a perceber que, no universo dos tratamentos, havia um caminho pouco conhecido por boa parte da população: o da pesquisa. E, lá em Miami, ele já atraía inclusive pacientes latino-americanos.
Daí veio a inquietação. Por que tanta gente vem até aqui para ter acesso a uma pesquisa clínica? Por que esse tipo de estudo não acontece em seus países?
Em comum, todos esses voluntários davam ótimos depoimentos sobre a experiência. Foi acompanhando o tratamento de Ilma e conversando com o doutor Silva que compreendemos a importância de desenvolver pesquisa clínica na América Latina.
Estudos que considerassem as particularidades genéticas, culturais, sociais e climáticas dessa população. Percebemos, aos poucos, que a pesquisa clínica não era apenas uma etapa da ciência ou a perspectiva de uma alternativa terapêutica. Era um direito dos pacientes e uma estratégia para equidade em saúde.
Determinada a fazer a diferença nessa história, eu, Fernanda, passei a ser voluntária da Sociedade Americana de Câncer, onde me engajei na organização de eventos para arrecadar recursos para pesquisa nos EUA. Foi assim que me aproximei de grandes nomes da oncologia mundial.
Em 2012, organizei, junto a especialistas americanos e europeus, um congresso no México para discutir as dificuldades e as necessidades para avançar com a pesquisa clínica na América Latina.
Numa das edições do evento, em 2014, conheci o oncologista brasileiro Carlos Barrios, fundador do Latin American Cooperative Oncology Group (Lagog), com sede em Porto Alegre, referência em pesquisa colaborativa na região.
E, a partir daí, fui me envolvendo nesse novo ecossistema e travando contato com grandes médicos brasileiros. Entendi, com essa experiência, que precisávamos investir não apenas no acesso a medicamentos, mas na geração local de conhecimento.
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Nascia, então, em 2015, o Projeto CURA, que viria a se transformar em Instituto Projeto CURA em 2019, uma entidade sem fins lucrativos e vanguardista que acredita no apoio aos pacientes por meio de uma melhor assistência, do compartilhamento de informação e da incorporação de novos tratamentos.
Nosso lema é que não podemos cruzar os braços e esperar a cura chegar. Temos que abrir estradas. Participar de estudos internacionais. Desenvolver nossas próprias pesquisas. Criar medicamentos mais eficazes e menos tóxicos. Atender às necessidades dos pacientes de uma forma mais custo/efetiva.
Desde a nossa fundação, já apoiamos 11 estudos clínicos e epidemiológicos, beneficiando mais de 2 mil pacientes.
E seguimos estimulando também a formação de novos pesquisadores, inclusive articulando o Prêmio Renata Thormann Procianoy, láurea concedida a grupos de investigadores que demonstram um impacto da ciência na vida real dos pacientes.
Queremos mudar histórias de vida. Como a de Ilma, que, 15 anos após seu diagnóstico, vive em Houston com a família, continuando em tratamento, agora dentro de um estudo clínico. Ela está vendo seus filhos crescerem, se casarem, entrarem na universidade…
E agora atua como voluntária, traduzindo o universo científico para novos pacientes que chegam ao hospital em busca de esperança.
E eu, Fernanda, sigo à frente do CURA, levando adiante a missão de promover a pesquisa clínica como um caminho viável, humano e necessário.
Por isso fazemos questão de compartilhar nossa jornada e causa — e queremos estender um convite à sociedade. Afinal, pesquisas salvam vidas, e a cura pode estar em nossas mãos.
Fernanda Schwyter é psicóloga, fundadora e presidente do Instituto Projeto CURA.
Ilma Lopes convive com um câncer de mama metastático e é voluntária de ações voltadas a pacientes oncológicos.