A endometriose é uma das doenças mais antigas da humanidade. Papiros egípcios datados de 1 825 antes de Cristo já descreviam sintomas sugestivos do problema.
Hipócrates, o Pai da medicina, referia-se às dores, aos distúrbios da evacuação e da digestão durante a menstruação – e, de acordo com a teoria hipocrática da época, as mulheres evitariam a doença se engravidassem cedo e várias vezes.
Nos últimos anos, houve um aumento exponencial no interesse sobre a doença, tanto em publicações científicas médicas como em redes sociais e conversas cotidianas.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a endometriose afeta uma em cada 10 mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos). Estima-se que cerca de 190 milhões de mulheres sofrem com a doença em todo o mundo.
Mas o número pode estar subestimado, já que há dificuldade em diagnosticar a endometriose e, quando isso ocorre, há um atraso médio de oito a 10 anos.
Os sintomas e as consequências da endometriose
A doença determina um estado inflamatório crônico local com repercussões sistêmicas. Como resultado, a endometriose pode ter um impacto negativo na qualidade de vida e fertilidade das mulheres.
Os sintomas associados variam, e podem incluir:
- Menstruações dolorosas
- Dor pélvica crônica
- Dor durante o sexo
- Movimento intestinal doloroso
- Dor ao urinar
- Fadiga
- Depressão ou ansiedade
- Distensão abdominal
- Dor na região do estômago e náuseas, entre outros
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A maioria desses sintomas se manifesta de forma cíclica, ou seja, durante os períodos menstrual, pré-menstrual e, em alguns casos, no período da ovulação – principalmente entre as mulheres que têm o ciclo menstrual espontâneo, sem o uso de medicação hormonal.
Alguns podem estar presentes continuamente, como a fadiga crônica. Já entre aquelas que usam medicação hormonal para controle do ciclo, os sintomas podem aparecer de forma irregular ou mascarada, sobretudo em caso de bloqueio da menstruação.
Afinal, o que é a endometriose
A doença ocorre quando o tecido chamado endométrio, que normalmente reveste internamente o útero e produz a menstruação, surge fora da cavidade uterina.
Em aproximadamente 90% dos casos, o endométrio vai para a região pélvica e, em 10%, pode aparecer em outras partes do abdômen – ou mesmo no tórax, em situações mais raras.
Devido à ação do estrogênio e da progesterona, hormônios femininos que modulam o ciclo menstrual, naturalmente o endométrio cresce e descama em forma de pequenos sangramentos ao final de cada ciclo, se não ocorrer uma gravidez.
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Se o endométrio permanece dentro da cavidade uterina, esse sangramento origina o fluxo menstrual.
Mas, em mulheres com o endométrio localizado fora da cavidade uterina (e, portanto, com endometriose), o sangramento determina uma reação inflamatória, originando as lesões características da doença.
Por que a endometriose está em alta?
Muitas teorias têm tentado explicar o aparente aumento de mulheres que buscam acolhimento frente ao diagnóstico de endometriose.
Mas uma complexidade enorme envolve o problema: não se conhece totalmente sua causa, e há muitas controvérsias em relação à forma de diagnosticar e tratar o quadro.
O diagnóstico por imagem mais efetivo das lesões endometrióticas (por meio de ultrassom ou da ressonância magnética) foi introduzido recentemente na medicina, no início deste século. Embora não esteja disponível para a maioria das mulheres com sintomas, pode ajudar a explicar por que temos mais casos vindo à tona.
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Mas há outros aspectos importantes para levarmos em consideração, como mudanças comportamentais.
Veja: durante a gestação e a amamentação natural, ocorrem modificações hormonais no organismo feminino que acabam inibindo os sintomas e a evolução da doença.
E, no passado, muitas mulheres não só iniciavam a maternidade mais cedo como passavam boa parte de suas vidas reprodutivas grávidas ou amamentando.
Nos dias atuais, por outro lado, as mulheres optaram por ter menos gestações, e geralmente em idade mais avançada – muitas escolheram inclusive não engravidar.
Segundo o IBGE, se nos anos 1960 a taxa de fecundidade (número de filhos por cada mulher) das brasileiras era 6,28, hoje esse índice está em torno de 1,7 – uma das mais rápidas reduções na história mundial.
Portanto, as mulheres acabam vivendo a maior parte de suas vidas na plenitude dos hormônios femininos.
E, quando são portadoras da endometriose, o estrogênio estimula o crescimento das lesões típicas da doença, aumentando as repercussões e o agravamento do problema.
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Apesar dessa mudança marcante no estilo de vida da mulher ter um papel importantíssimo no aumento da incidência da doença e, também, na gravidade da condição, há múltiplos e complexos fatores determinantes no crescimento das lesões.
A humanidade viveu 20 séculos com a cultura educacional do menosprezo aos sintomas dolorosos femininos, assim como a medicina evoluiu de forma fantástica em diversas áreas, mas com uma enorme negligência no entendimento e acolhimento das mulheres portadoras de endometriose.
Por meio das conquistas femininas ocorridas nas últimas décadas e do combate ao machismo institucionalizado na nossa sociedade e na saúde, poderemos diagnosticar melhor a endometriose – e cuidar das mulheres que sofrem com uma doença que pode alterar o curso de uma vida feliz e saudável.
*Ricardo Pereira é cirurgião ginecológico e especialista em endometriose e cirurgia ginecológica minimamente Invasiva do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP)