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Em meio à Covid-19, segue a busca por soluções para doenças negligenciadas

É essencial que a comunidade científica se mobilize para enfrentar problemas que há tempos ameaçam populações vulneráveis

Por *Luiz Carlos Dias
Atualizado em 11 ago 2020, 15h09 - Publicado em 22 jul 2020, 14h31
prevenção da malária doença de chagas leishmaniose
Transmitida por um inseto, a doença de Chagas é um exemplo de problema negligenciado no Brasil. ( Ilustração: Estúdio Zepolite/SAÚDE é Vital)
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Este texto foi escrito para a campanha #CientistaTrabalhando

O Brasil vive uma crise sanitária, econômica, política e social que escancara desigualdades históricas. O cenário de completa incerteza exige a multiplicação de esforços ao combate à Covid-19, sem esquecermos, entretanto, doenças como as tropicais negligenciadas (DTNs), que há tempos constituem um enorme desafio à saúde pública e ao desenvolvimento econômico em algumas das áreas mais vulneráveis do planeta.

Sou pesquisador do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) há 28 anos, e, desde 2013, coordeno um consórcio internacional que almeja descobrir tratamentos inovadores para as DTNs. Atuamos em parceria com a DNDi (Drugs for Neglected Diseases Initiative) e a Medicines for Malaria Venture (MMV), organizações com ampla experiência na pesquisa de medicamentos e novos tratamentos para populações negligenciadas e que estão contribuindo para salvar milhões de vidas. O projeto também envolve cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Trata-se do primeiro projeto colaborativo da América Latina voltado às etapas iniciais de triagem e otimização de compostos químicos, cruciais para o processo de descoberta de medicamentos para DTNs. Temos o audacioso objetivo de entregar candidatos pré-clínicos de alta qualidade, que prossigam em estudos mais avançados, até se tornarem tratamentos eficazes, acessíveis, seguros e com baixa toxicidade mesmo para grupos mais sensíveis, como crianças e gestantes.

Trabalhamos com três doenças tropicais historicamente relegadas tanto por tomadores de decisão quanto pela indústria farmacêutica. Uma delas é a doença de Chagas, a enfermidade parasitária mais letal da América Latina, levando 14 mil pessoas à morte por ano. Causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi e transmitida pelo inseto conhecido por “barbeiro”, a doença dispõe dos mesmos tratamentos há meio século: todos de longa duração, com efeitos colaterais e baixa eficácia em fases mais avançadas.

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As leishmanioses, por sua vez, representam um conjunto de doenças causadas por mais de 20 espécies do protozoário Leishmania e são transmitidas a partir da picada do mosquito-palha. Estão diretamente relacionadas a mudanças ambientais, como desmatamento, migrações e falta de políticas habitacionais e de saneamento. Presentes em 98 países nas suas formas visceral, cutânea e/ou mucosa, as leishmanioses colocam em risco mais de 1 bilhão de pessoas.

a malária é uma doença infecciosa provocada pelos protozoários do gênero Plasmodium. Em 2018, mais de 405 mil pessoas perderam suas vidas para a enfermidade, sendo 67% crianças menores de cinco anos — em média, uma a cada dois minutos. A malária impõe um desafio adicional: encontrar um medicamento seguro e eficaz de dose única, que possa atuar na redução da transmissão da doença e pavimentar o caminho para sua eliminação.

Com a DNDi, a MMV e nossas inúmeras instituições parceiras no Brasil e no exterior, uniremos esforços para buscar medicamentos que possam salvar vidas. Além disso, o consórcio possibilitará a construção de um centro multidisciplinar de descoberta de fármacos para doenças tropicais na região. Pretendemos contribuir para o desenvolvimento de expertise, investindo na ampliação da capacidade instalada e na contínua qualificação dos pesquisadores envolvidos, pois é fundamental preparar a próxima geração de cientistas para lutar contra essas doenças.

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O acirramento da crise climática pôs em xeque o equilíbrio de nossos ecossistemas, levando a um aumento expressivo na incidência de doenças parasitárias e ao surgimento de vírus outrora desconhecidos pela Ciência, a exemplo do Sars-CoV-2. Colaborações internacionais como esta ampliam nossa capacidade de resposta, otimizam prazos de investigação e compartilhamento de dados, permitem o intercâmbio de experiências em nível global e possibilitam a criação de uma rede estratégica de pesquisa capaz, inclusive, de enfrentar emergências sanitárias.

A aproximação com a DNDi e a MMV me proporcionou uma guinada de carreira e a oportunidade de exercer minha responsabilidade social enquanto pesquisador. O impacto da Covid-19 permanece incalculável, mas é essencial que nós, membros da comunidade científica, também nos mobilizemos para desenvolver estratégias que atendam às necessidades de saúde de populações vulneráveis e historicamente negligenciadas no mundo em desenvolvimento.

É a ciência brasileira contribuindo para salvar vidas.

*Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da Unicamp no combate à COVID-19.

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