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Cesáreas ainda dominam a cena dos partos: precisamos reverter isso

Brasil tem número espantoso de cesarianas. Médica argumenta que priorizar parto normal e orientar melhor as gestantes são deveres das equipes de saúde

Por Laura Penteado, ginecologista e obstetra*
5 mar 2021, 13h36
ilustração de mulher grávida
Decisão sobre tipo de parto deve respeitar vontade da gestante e se pautar por riscos à mulher e ao bebê. (Ilustração: Eva Uviedo/SAÚDE é Vital)
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O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de cesáreas, com uma taxa acima de 55% do total de partos, perdendo apenas para a República Dominicana, com 58%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica, porém, que 15% é um índice tolerável e adequado para a realização do procedimento quando mãe e bebê não estão em condições físicas e de saúde para um parto normal.

A América Latina é a região com maior taxa de cesarianas quando comparada a outros continentes. Mas o que nos difere da Europa, por exemplo, que tem uma taxa de 25% de partos cirúrgicos? Na França, a taxa média de cesarianas com indicação fica na casa dos 21%. Aqui, a lógica parece ter sido invertida, e, em se tratando da rede particular, esse dado é ainda mais alarmante.

Sabemos que, quando bem assistido e com uma gravidez de baixo risco e sem contraindicações, o parto normal, também conhecido como parto vaginal, é o mais indicado. Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com outras instituições brasileiras, mostra que cerca de 70% das gestantes por aqui desejam um parto normal no início da gravidez, só que poucas são apoiadas nessa decisão.

É fato que, desde os nossos primórdios, o parto normal é um acontecimento fisiológico e um processo natural que quase não necessita de intervenção médica — isso, convém frisar, quando a gravidez é considerada de baixo risco. Assim, a gestante deve ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar durante a sua jornada para ser orientada e evitar riscos.

A cesárea é uma cirurgia de médio porte e recomendada, na realidade, apenas em casos de possíveis complicações para a mulher e/ou o bebê. O procedimento salva vidas, mas exige critério.

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É bem verdade que os avanços da obstetrícia e inovações tecnológicas tornaram o parto hospitalar mais seguro e melhoraram os indicadores de morbidade e mortalidade materna e infantil. Contudo, dentro do ambiente hospitalar, as mulheres e os recém-nascidos muitas vezes são expostos a intervenções desnecessárias. Me refiro não apenas à cesariana, mas também a procedimentos como a episiotomia (incisão feita para ampliar o canal do parto) e o uso indiscriminado de ocitocina (hormônio que estimula as contrações uterinas). Não raro eles empobrecem o ato extraordinário que é dar à luz.

Esse excesso de intervenções pode ferir aspectos emocionais e físicos da parturiente. Uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto, o que é lamentável. Chamamos de violência obstétrica situações como a inibição de movimentação da mulher durante o trabalho de parto, a realização de procedimentos desnecessários, a omissão de informações importantes, a execução de intervenções sem o consentimento da paciente, o desrespeito às escolhas dela, os maus tratos e o abuso de poder nesse contexto.

Nos últimos anos, com o surgimento de novas evidências científicas, tem-se buscado promover os aspectos naturais e fisiológicos do parto. É durante o pré-natal que os profissionais de saúde orientam as gestantes sobre formas opcionais de controlar a dor no momento de dar à luz e sobre diferentes atividades que facilitam o trabalho de parto.

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Precisamos esclarecer à gestante que não há justificativa para se realizar uma cesariana apenas com a finalidade de evitar os desconfortos do parto, pois a cirurgia não está isenta de dores, complicações e riscos à saúde da mãe e do filho. Sabemos que a cesárea aumenta o risco de infecções no pós-parto, taxas de hemorragia materna e  incidência de internações em UTI neonatal.

Normalmente, quando o trabalho de parto ocorre espontaneamente, o bebê já está maduro e formado, o que reduz a probabilidade de problemas que demandam a ida à UTI. Além disso, ao passar pelo canal vaginal, o tórax fetal é comprimido, reduzindo o risco de aspiração do líquido amniótico e a incidência de disfunções respiratórias. No canal vaginal, o feto também entra em contato com micro-organismos que irão ajudar a formar sua microbiota intestinal, o que favorece um melhor desenvolvimento do seu sistema imune.

Sim, são muitas as vantagens de se ter um parto natural. Muito além da saúde, a gravidez e o parto são cercados de sentimentos, planos e sonhos. São momentos únicos e especiais para cada família. Exigem, portanto, o devido acolhimento e a devida orientação, pois podem deixar marcas profundas (negativas ou positivas) na vida dos envolvidos. Por isso, é essencial que a mulher tenha acesso a um serviço de saúde qualificado de atenção à gestante.

Além de um pré-natal adequado, a mulher precisa ser amparada e claramente informada sobre riscos, benefícios e como ocorrem os tipos de parto. E a decisão deve ser compartilhada entre a gestante e a equipe de saúde que a acompanha. A mãe precisa sentir que está sendo ouvida e compreendida para se sentir segura e tranquila nesse momento tão mágico que é dar à luz.

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* Laura Penteado é obstetra e ginecologista com atuação nos principais hospitais e maternidades de São Paulo. É também diretora médica da Theia, clínica e plataforma de saúde com foco em gestantes

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