Em meio ao desemprego generalizado, um fenômeno tem chamado a atenção de muitos departamentos de RH: a Grande Demissão. O termo foi cunhado pelo professor de psicologia organizacional Anthony Klotz, da UCL School of Management, em Londres, e diz respeito aos milhões de trabalhadores que voluntariamente deixam seus postos de trabalho nas principais economias do mundo, inclusive o Brasil.
Por aqui, o termo também vem sendo estranhamente traduzido como a “grande resignação”, ganhando contornos próprios. Isso porque, diferentemente do que acontece nos países mais desenvolvidos onde pessoas de todas as escalas de qualificação aderiram ao movimento, apenas aqueles com maior escolaridade conseguem tomar a decisão de deixar as empresas em que trabalham.
Pior para as empresas, as lideranças e os RHs, que nos próximos anos terão que se reinventar e tornarem mais atraentes salários, ambientes e benefícios se quiserem reter seus principais talentos.
Em sua pesquisa, Anthony Klotz encontrou quatro razões capazes de explicar o fenômeno que, segundo ele próprio, ainda vai durar alguns anos. Reforçados pela pandemia, ou produzidos por ela, o professor explica que, em primeiro lugar, todos aqueles que pretendiam mudar de emprego no começo de 2020 adiaram os planos.
Agora, no mundo pós-vacina em que as atividades estão sendo retomadas, as pessoas também estão recuperando aquela ideia de buscar uma colocação melhor e deixar seu antigo posto.
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Em segundo lugar, a pandemia expandiu as perspectivas de organização do trabalho. Hoje, no retorno ao escritório, muita gente prefere se manter no formato híbrido. Quando a inflexibilidade das empresas e dos gestores torna isso uma impossibilidade, simplesmente se busca uma oportunidade que melhor atenda aos seus desejos.
Outro elemento que vem contribuindo para a demissão em massa é o que Klotz chama de epifanias (ou revelações). As epifanias da vida profissional acontecem por conta de algum evento que transforma a visão ou os valores das pessoas, e a pandemia contribuiu muito para que isso ocorresse.
O crescente número de micro e pequenas empresas abertas nos últimos meses no Brasil está, em muitos casos, relacionado a essas revelações. Muita gente passou a questionar a dedicação à antiga empresa e decidiu utilizar essa energia para investir em um negócio próprio.
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Por fim, Klotz aponta para o esgotamento profissional, agravado com a pandemia quando inúmeros trabalhadores tiveram que agregar tarefas domésticas e profissionais em suas rotinas. Este aspecto foi um dos marcos do período agudo da crise sanitária.
No entanto, o mundo do trabalho vem demonstrando, há tempos, que sua própria organização já vem provocando um desgaste acima das nossas capacidades de recuperação, o que fatalmente aumenta o risco de esgotamento
No caso brasileiro, ainda podemos destacar um quinto fator: com a popularização do trabalho remoto, muitos profissionais têm sido atraídos por oportunidades oferecidas por empresas sediadas em outros países, que pagam em moeda mais forte e não exigem o trabalho presencial.
Ao observarmos as motivações que levam ao fenômeno da Grande Demissão, fica fácil perceber que hoje o trabalhador busca condições que permitem um maior equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal, assim como ambientes corporativos menos tóxicos e com maior segurança psicológica.
Ao compreender esse quadro, percebemos que traduzir “great resignation” por “grande resignação” é uma escolha tendenciosa que acaba camuflando o mal-estar que o fenômeno escancara. E de que a precarização atingiu níveis insustentáveis e os trabalhadores já não aceitam passivamente o que lhes é oferecido.
A Grande Demissão é muito mais fruto da grande decepção, ou insatisfação, do que de uma aceitação, conformismo ou resignação generalizada. E já espalha sementes por aí.
* Francisco Nogueira é psicólogo e psicanalista, membro do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e sócio da consultoria Relações Simplificadas