A dor durante o envelhecimento: tem muito mito aí
A sensação de desconforto não é “coisa da idade”. Cuidar de quem está envelhecendo ajuda a derrubar esses e outros equívocos, reflete especialista
Vou começar esse texto fazendo uma pergunta: dor é coisa de velho? Quem aí já respondeu “sim” para essa questão?
Pois saiba que você não está sozinho. A maioria das pessoas associa a dor a um fenômeno que ocorre com o envelhecimento. Mas isso é verdade ou mito?
O gerontopsiquiatra e pesquisador Stephen Thielke explorou exatamente esse assunto junto com seus colegas Cary Reid e Joanna Sale. Eles descobriram que equívocos sobre a dor são comuns e influenciam a maneira como as pessoas convivem e lidam com ela.
A pesquisa inicial mostra o seguinte: a dor não ocorre com mais frequência em adultos mais velhos, ela é mais transitória do que pensamos e resistir não é a melhor abordagem.
Hoje, o tratamento da dor crônica envolve uma conduta multidisciplinar e integral que vai além de medicação e da atividade física. É uma nova conscientização que leva a pessoa a fazer mudanças de hábitos e integrar várias terapias aliadas, além de identificar o que de fato traz alívio.
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Com suas pesquisas, Thielke questiona quatro mitos dentro do tema dor e envelhecimento. São eles:
1. A dor é uma consequência natural do envelhecimento
Verificou-se que a prevalência de dor musculoesquelética diminui com o avanço da idade e que a dor crônica ocorre com menos frequência em adultos mais velhos.
2. A dor piora com o avançar da idade
O estudo indica que a dor é intermitente e não parece piorar à medida que você envelhece.
3. Basta suportar a dor e se conformar para ajudar a aumentar a tolerância a esse desconforto
Estudos demonstram que a dor contínua tem consequências significativas entre os pacientes mais velhos e que resistir simplesmente não aumenta a capacidade de tolerá-la.
4. Geralmente as pessoas ficam viciadas nos analgésicos prescritos
No entanto, segundo estudos, a taxa de dependência é baixa. Muitas vezes, os idosos interrompem o uso de analgésicos após uma ou duas prescrições.
Mas por que, então, surgem mais dores à medida que envelhecemos? Essa é uma pergunta que recebo com frequência. Não tenho uma resposta exata, porém, existem hipóteses, como as crenças da sociedade e o relato do senso comum, entre outras.
O que posso dizer é que precisamos virar esse jogo. Devemos esclarecer esses mitos e melhorar a qualidade de vida do “envelhecente”.
E para vermos mudanças, é necessário investir mais na prevenção de doenças, nos cuidados com a saúde e na qualidade de vida.
O que você sabe sobre lifespan? E healthspan?
Na tradução livre, lifespan significa expectativa de vida ou tempo de vida. O mundo se preocupa com a expectativa de vida da humanidade, enquanto a ciência mostra vários caminhos para aumentar a longevidade com novas tecnologias, drogas e intervenções.
A sociedade promove uma propaganda de idosos que trabalham, orrem maratonas, são highlanders, invencíveis! Mas será que esta é uma realidade para todos?
O termo “qualidade de vida” também já está incorporado no nosso cotidiano e eu acho válido e importante. Só que raramente a conta fecha.
Dito isso, é com o conceito de qualidade versus quantidade que introduzo o termo healthspan.
O conceito de healthspan, ou expectativa de saúde, pode ser definido como o período da vida em que a pessoa está saudável. Agora, “ser saudável” se apresenta de forma diferente para cada indivíduo.
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“Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Estamos cansados de ouvir essa definição adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948. Longe de ser tangível, simboliza um engajamento, um horizonte a ser alcançado.
Pouco a pouco, as pessoas estão se envolvendo com o envelhecimento e a expectativa de vida. Porém, a conscientização sobre o healthspan ainda está lenta no acompanhamento dessa tendência.
Não à toa, muita gente ainda acha que sentir dor é algo natural entre quem é mais velho, não é mesmo?
Mas por que se afligir com o healthspan, período de vida em que o indivíduo está “saudável”?
Ora, se estamos angustiados para aumentar o lifespan, ou tempo de vida, a preocupação com o conceito de saúde, segundo a definição da OMS, deveria ser óbvia. Mas, não é.
Estender o tempo de vida e possibilitar uma rotina bacana para a população idosa custa caro – por isso, infelizmente, são coisas apenas para os mais afortunados.
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O idoso que passeia, faz escalada, pratica esportes variados, dança, comanda uma empresa e tem conta no TikTok é diferente daquele que fica em pé no ônibus, passa o tempo em casa com os netos, espera na fila por um atendimento médico digno (ou meses por uma cirurgia) e ainda ajuda filhos e vizinhos.
Healthspan também é uma questão socioeconômica. Segundo estatísticas, há uma lacuna cada vez maior na expectativa de vida em diferentes regiões geográficas dos Estados Unidos.
O que podemos fazer sobre o healthspan? Primeiro, precisamos medi-lo. Depois, devemos melhorá-lo.
Atualmente, a expectativa de vida média é de 79,3 anos nos Estados Unidos. No entanto, não temos uma estatística para marcar o fim do período médio de saúde.
Para resolver isso, a OMS desenvolveu um indicador chamado HALE (Healthy Life Expectancy, ou “expectativa de vida saudável”). Fazendo as contas com esse recurso, descobrimos que, na verdade, a expectativa de vida saudável da população americana é de 63,1 anos.
De acordo com o Harvey A. Friedman Center for Aging, isso significa, portanto, que os indivíduos vivem até 20% com insalubridade.
O brasileiro perdeu quase dois anos de expectativa de vida em 2020 por causa da pandemia de Covid-19. E, segundo uma demógrafa da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, ouvida em reportagem da BBC News, a situação deve ser pior em 2021.
Para melhorar esse cenário e as estatísticas, precisamos de tratamento – e não necessariamente de novas drogas. Estamos carentes de soluções preventivas e não medicamentosas.
Só assim vamos perceber que a dor e tantos outros sintomas desconfortáveis não devem ser considerados naturais com o envelhecimento.
*Mariana Schamas é cinesiologista, pós-graduada em dor e criadora do Método ECAD – Estratégias Comportamentais para o Alívio da Dor.