A cárie está com os dias contados?
Dentista conta os principais avanços contra o problema que estraga sorrisos — e reflete quão próximos estamos do seu fim
Algumas décadas atrás, as cáries estavam entre os problemas que mais levavam as pessoas ao dentista. Considerando o público infantil, era quase uma epidemia: bastava chegar à idade escolar, em que balas, chicletes e pirulitos tornam-se mais frequentes no dia a dia, para as primeiras manchinhas pretas aparecerem, algumas vezes ainda nos dentes de leite.
Essa situação mudou a partir dos anos 2000. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, o número de crianças com algum estrago dentário caiu 30% desde 2003. Hoje, cerca de metade dos jovens com 12 anos nunca teve uma cárie na vida. Entre os adultos, a queda também chega a 30%. A cárie ainda leva muita gente ao consultório, mas atualmente divide o protagonismo com os aparelhos ortodônticos, próteses e intervenções estéticas, como a gengivoplastia, na qual o cirurgião retira o excesso de gengiva sobre a arcada dentária.
Um dos principais motivos por trás dessa redução foi a inclusão de flúor na água potável como parte de um programa do governo chamado Brasil Sorridente, implantado no país no começo dos anos 2000. Na cidade de São Paulo, foi ainda mais cedo: na década de 1980. Mineral natural encontrado em várias fontes de água, ele ajuda a endurecer o esmalte e possui função bactericida, eliminando da boca micro-organismos que destroem os dentes.
Soma-se a isso a evolução das pastas de dente na última década. Atualmente, os melhores cremes têm boa concentração de flúor em sua fórmula (pelo menos 1 100 ppm, ou mil partes por milhão), além de compostos bioativos que atuam com maior eficácia no combate a acidez provocada pela ingestão do açúcar.
O hábito de fazer bochechos com enxaguantes bucais também pode auxiliar nesse processo. De acordo com estudos, seu uso frequente influi na remineralização do esmalte, ou seja, em seu fortalecimento, mesmo nos dentes que já possuem cáries.
Cientistas britânicos divulgaram recentemente a criação de uma substância química chamada tideglusib, capaz de regenerar o dente ao estimular as células-tronco de seu interior. Funcionaria da seguinte maneira: uma esponja biodegradável com colágeno, encharcada com o remédio, seria colocada no buraco dental, aberto pela cárie. Ali dentro, favoreceria a atuação das células-tronco e, em pouco tempo, o dente voltaria a ser como antes. O produto já está em testes e a expectativa é que esteja disponível no mercado em alguns anos.
Outro estudo, conduzido na Universidade Queen’s, em Belfast, na Irlanda do Norte, indica que um tratamento à base de ácido acetilsalicílico (a popular aspirina), se aplicado diretamente no dente afetado, também é capaz de estimular a produção de células-tronco, aumentando as chances de sua recuperação total.
Com tantos avanços, seria possível dizer que a cárie está com os dias contados? Infelizmente, não. A saúde bucal ainda depende da atitude individual de cada um de nós. Isso inclui fazer uma boa escovação após as refeições, com uma escova de cerdas macias e tamanho adequado ao da sua boca, uso do fio dental diariamente, visita regular ao dentista (ao menos para uma limpeza geral, a cada semestre) e o consumo moderado de açúcar.
Ainda que tenhamos novos recursos high tech para aprimorar o combate à cárie, não podemos abrir mão dessas pequenas e tão importantes atitudes na rotina.
* Dra. Andrea Martinez Gotardo é cirurgiã-dentista especialista em ortopedia facial e em ortodontia e diretora clínica da Villa Vita Clínica Médica e Odontológica, em São Paulo