Como está sua saúde mental? Essa era a pergunta que abria o questionário online das quatro etapas da pesquisa COVIDPsiq, que envolveu 6 100 brasileiros de abril de 2020 a fevereiro de 2021. Realizado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em parceria com outras instituições, o estudo avaliou sintomas emocionais e comportamentais após a chegada da Covid-19.
No início do trabalho, 65% dos participantes relataram piora da saúde mental após as medidas de distanciamento social. Já da primeira para a quarta etapa, observou-se a redução dos sintomas de estresse (de 58,1 para 45,4%), ansiedade (de 52,1 para 46%) e depressão (de 61 para 50,5%). Mesmo assim, os índices permanecem altos, pois apenas 32,4% dos participantes declararam algum diagnóstico prévio de transtorno mental.
Esses dados reforçam nossa hipótese inicial sobre o sofrimento desencadeado pela pandemia, sobretudo quando fossem adotadas medidas de contenção ao vírus. Com o tempo, a maioria dos indivíduos estaria adaptada à nova realidade e teria melhora nos sintomas. Essa adaptação, que ocorre após um período de estresse, é chamada de resiliência.
Por outro lado, o percentual de pessoas com sintomas compatíveis a transtorno de estresse pós-traumático aumentou de 24,3% para 26,3%. Se a tensão pandêmica afeta o dia a dia de todos, é uma menor parte dos brasileiros que enfrenta situações traumáticas decorrentes da Covid-19 em si. Conforme os casos foram aumentando, o número de indivíduos que perderam familiar ou alguém próximo aumentou 13 vezes, totalizando 17,7% dos participantes da última etapa, enquanto na primeira foram 1,3%.
Além disso, a ocorrência de violência física ou sexual nos participantes aumentou 29 e 23% da segunda para a quarta fase. Esses achados são alarmantes e representam o potencial traumático da pandemia. Nesse sentido, não são os fatos isolados que apresentam maior risco para os transtornos mentais. São o estresse e o trauma cumulativos que levam uma parte da população a um estado emocional que beira o colapso: com desemprego, dívidas financeiras, violência familiar, luto, falta de suporte social…
O estudo foi encerrado antes da chamada segunda onda de contágio. Se conduzido hoje, é provável que os dados fossem ainda piores. Além disso, há que ter em mente o perfil dos participantes: 75% eram mulheres, 85,7% de 18 a 49 anos, 80% de classe média ou alta e 55,8% com ensino superior ou pós-graduação. Ou seja, a amostra não representa as pessoas em condições de miséria, sem acesso à internet e com baixa escolaridade.
Considerando a diversidade brasileira, é possível que as descobertas da pesquisa ainda subestimem a gravidade da situação real. De qualquer forma, os resultados apontam que o sofrimento piorou para boa parte da população. São estudantes ou trabalhadores, jovens ou idosos, de todos os gêneros, que necessitarão de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, bem como auxílio-doença ou aposentadoria precoce.
* Vitor Crestani Calegaro é psiquiatra, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenador do projeto COVIDPsiq; Juliana Motta é jornalista e doutoranda pela UFSM