Barbas, aves-do-paraíso e o destino das espécies
Nosso colunista explica o papel de plumas e barbas na reprodução e sucesso de um indivíduo em meio à competição natural
Você já se perguntou por que apenas os homens têm barba? Ou por que só o pavão macho tem aquelas grandes penas coloridas na cauda? E qual a relação de uma coisa e outra, se é que ela existe?
Para esclarecer essa questão, vamos utilizar o exemplo e a história das aves-do-paraíso, belos pássaros encontrados principalmente na Nova Guiné, uma ilha situada ao norte da Austrália. Ao todo, 41 espécies diferentes já foram catalogadas. Essas aves se destacam pela plumagem exótica e pelo comportamento, digamos, peculiar, que precede o acasalamento. Dá uma olhada nos rituais dessa espécie…
Antes de tentar explicar isso… Bem… O próprio nome da ave já é bastante chamativo, né? E a história por trás é ainda mais divertida. Tudo começou no início do século 16, época das grandes navegações. O português Fernão de Magalhães (1480-1521), o mesmo que deu nome ao Estreito de Magalhães, nos confins da América do Sul, realizou a primeira circum-navegação a serviço do rei da Espanha.
Um dos pontos de parada da expedição aconteceu nas Ilhas das Especiarias, hoje conhecidas como Ilhas Molucas, localizadas entre a Indonésia e a Oceania. Ali, um dos artefatos que Magalhães recebeu dos nativos foi uma ave empalhada. O pássaro possuía uma plumagem colorida e outras duas características que chamaram a atenção de toda a tripulação: não tinha asas nem patas!
Cabe um esclarecimento: as aves-do-paraíso, comumente encontradas na Nova Guiné, chegavam às Molucas já empalhadas. Portanto, os nativos dessa ilha não tinham contato com o animal vivo. E é daí que veio a explicação que eles deram aos europeus sobre por que esses pássaros não precisavam ter asas e patas.
Os nativos das Molucas acreditavam que as aves planavam sem descanso, só com o auxílio das plumas, junto aos deuses no… paraíso! Além disso, alimentavam-se de gotículas de água presentes nas nuvens, não necessitando pousar em lugar algum para encher a barriga. Dessa maneira, asas e patas seriam inúteis. Ao morrerem, as aves perderiam a sustentação e cairiam no plano terrestre. Eis a justificativa para o nome “aves-do-paraíso”. Aliás, essa teoria inspirou até o nome científico da espécie, Paradisaea apoda — “apoda” significa literalmente “sem pés”.
A história da ave sem asas e sem pés foi tida como verdadeira até o fim do século 17, quando outro grupo de navegadores chegou à Nova Guiné, o habitat do animal, e descobriu que as tribos caçavam as aves, retiravam as penas para usá-las como enfeite, cortavam as patas para evitar que insetos infestassem a carcaça e empalavam os bichos, porque ainda assim eles ficavam bonitos e serviam de moeda de troca.
Resolvida a questão do nome, da origem e da verdadeira anatomia da espécie, temos que resolver o mistério do porquê de as aves-do-paraíso possuírem essas plumas extravagantes e realizarem aquela dança especial. E é aí que entra a parte interessante da biologia desses animais. Vamos observar o macho (à direita) e a fêmea (à esquerda) da espécie Grande Ave-do-Paraíso (Paradisaea apoda) por um momento:
Notem que apenas o macho da espécie possui essas plumas vistosas. A fêmea normalmente apresenta uma plumagem de cor marrom-acinzentada. Isso acontece com todas as espécies de aves-do-paraíso. Qual seria a explicação para tanta diferença?
Ao contrário de outras aves, apenas a fêmea constrói o ninho e cuida do filhote. Essa atividade braçal — no caso, “asal” — requer um gasto de energia muito alto. Imagine como seria voar com esse monte de plumas toda vez que elas tivessem que carregar galhos e gravetos para construir o ninho ou buscar comida para o filhote? A natureza não funciona assim. Energia é uma moeda valiosa e a evolução não parcela dívidas. A cobrança é imediata!
O macho, por sua vez, tem apenas o trabalho de conquistar a fêmea. Aquele que se destacar com danças, plumas e outros comportamentos passará seus genes adiante. Além disso, é a fêmea que escolhe com quem ela vai se acasalar. Sim, os machos aves-do-paraíso levam “foras” se, por acaso, cometerem um pequeno deslize que a fêmea não aprove, como uma dança mal executada ou um canto desafinado. Tanto é que, quando jovens, se reúnem para treinar seus cortejos e passinhos.
Os machos ostentam plumas coloridas, dançam e cantam dessa maneira porque as fêmeas escolhem neles as características peculiares que mais as apetecem. Esse comportamento de escolher apenas os machos que mais se destacam para acasalar acabou também selecionando os genes de plumas carnavalescas e passinhos coreografados. E quem decidia tudo isso era a fêmea aparentemente “sem graça”!
Todas as queridas leitoras captaram o raciocínio nesse momento? Entenderam que foram as fêmeas que moldaram a evolução dos machos para que eles desenvolvessem plumas de todas as cores e aprendessem a dançar apenas para conquistá-las? Sacaram que vocês podem povoar o mundo de David Beckhams, Tom Cruises, Brad Pitts e Thors?!
Só um cuidado! Num mundo desses, provavelmente os machos irão se reunir em bandos para cantar, dançar e se mostrar enquanto vocês irão construir a casa e cuidar dos pequenos Justin Biebers.
E o que as barbas têm a ver com isso?
Agora você quer saber o que as barbas têm a ver com essa história emplumada, certo? Qual a vantagem funcional de se ter barba? Se ela não estivesse ali, sentiríamos falta dela? Morreríamos de fome? Não conseguiríamos nos reproduzir? Ao que tudo leva a crer, ela é apenas um acessório, assim como as plumas das aves-do-paraíso.
Pois é, a maioria das mulheres preferem – ou, pelo menos, em um passado recente já preferiram – homens com barba. Aparentemente, um homem barbado é maior e mais intimidador para os rivais do mesmo sexo do que um homem sem barba.
Duvida? Veja essa foto do “antes e depois” de se fazer a barba.
Claramente uma barba impõe respeito. Por outro lado, pode ser que existiram mulheres com barba capazes de intimidar os homens. Só que elas não passaram seus genes adiante. Desse modo, essa característica — a mulher barbada — se tornou rara na espécie humana.
As tribos da Nova Guiné já sabiam desse propósito biológico das penas e plumas das aves-do-paraíso muito antes de qualquer cientista ou historiador natural colocar os pés na ilha. É muito comum encontrar fotos e vídeos dos nativos realizando rituais que envolvem música e danças utilizando as penas retiradas dessas aves como acessório. Adivinhe quem coloca as plumas, dança e se exibe… e quem fica escolhendo o melhor parceiro?
* Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo