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A culpa é da sua mãe!

Em homenagem ao Dia das Mães, pesquisadora conta como a dieta da gestante pode determinar o futuro genético dos filhos

Por Dra. Natalia Pasternak Taschner*
Atualizado em 14 Maio 2017, 07h04 - Publicado em 14 Maio 2017, 07h04

Durante muitos anos, a ciência discutiu se determinadas características de um indivíduo seriam genéticas ou resultado da influência do ambiente. Será que o formato do cabelo, o jeito de ser desinibido ou nervoso e até mesmo doenças como depressão, esquizofrenia e diabete são determinados pelo DNA ou pela maneira com que fomos criados e pelas experiências que vivemos?

A resposta mais provável para essa disputa não recai totalmente em um nem no outro lado. É a relação entre esses dois fatores que determina nossas características. Até aí, nada de novidade, certo? A novidade está em entender como esses processos se relacionam. Ou seja, de que maneira o ambiente influencia diretamente o funcionamento do nosso DNA e isso pode afetar as próximas gerações. Eis o objeto de estudo de uma ciência inovadora, a epigenética.

Esse ramo da genética mostra que estímulos do ambiente, como nossa alimentação, podem ligar ou desligar os genes. Por exemplo: a dieta e o comportamento da sua mãe durante a gravidez e a primeira infância estão por trás de modificações bioquímicas no seu DNA. Elas ajudam a determinar como seus genes irão regular-se no decorrer da vida! Tais modificações podem inclusive ser permanentes, isto é, você é capaz de transmiti-las aos seus filhos. Assim, o que uma mãe comeu na gestação, ou algum elemento ou estresse a que ela foi exposta, pode ter consequências na vida dos seus filhos ou netos.

Agora repare nos camundongos da foto abaixo.

O que esses camundongos têm em comum? (Divulgação/SAÚDE é Vital)

Eles são geneticamente idênticos. São clones. Todo o seu DNA é absolutamente igual. O que explica, então, o fato de um deles ser gorducho e amarelo e o outro, magrinho e marrom? Além das diferenças na aparência, saiba que o camundongo obeso tem tendência ao diabete e ao desenvolvimento de tumores, enquanto o irmão magrinho é perfeitamente saudável. Tem mais um detalhe nessa história: ambos cresceram no mesmo ambiente.

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Dá para decifrar o mistério? O bicho amarelo carrega uma diferença epigenética em um gene chamado agouti. Ele está presente em todos os mamíferos, só que, nos animais de coloração amarela, não foi devidamente metilado. Meti-lo-quê?

Senta que lá vem explicação: nosso DNA é uma sequência de nucleotídeos (A-T-C-G). Lembra das aulas de biologia? Podemos ter, acoplados a essa sequência, grupos químicos conhecidos como metil (ou CH3). Esses grupinhos podem impedir a leitura de um gene, determinando se ele será ativo ou não. A sequência do gene está lá, com todas as letrinhas, mas a presença desse radical metil atrapalha sua leitura e expressão. É como uma chave que desliga o gene.

Em um animal saudável, o gene agouti está normalmente desligado, com vários grupos metil acoplados ao DNA impedindo sua função. Nos animais amarelos, o DNA apresenta-se sem a tal metilação, e o gene está ativo, propiciando a mudança de cor na pelagem e também a propensão a obesidade, diabete e câncer.

E o que isso tem a ver com a mãe deles? Pois é, a única diferença na vida desses dois camundongos foi a dieta de suas mães. A do animal marrom e saudável foi alimentada com um cardápio rico em grupos metil. O grupo metil está presente em alimentos comuns como alho, cebola e beterraba, diversas hortaliças e verduras verde-escuras, assim como em suplementos de ácido fólico e vitamina B12, normalmente prescritos para mulheres grávidas. Graças à dieta rica em metil, as mães dos camundongos cinza passaram para sua prole um gene agouti metilado, desligando, assim, seus efeitos nocivos. De quem é a culpa pelas doenças do animal amarelo? Ora, da sua mãe.

Quer mais um exemplo? Existem indícios de que a desnutrição da gestante pode acarretar consequências epigenéticas na prole. O acompanhamento de indivíduos que nasceram na Holanda após a segunda Grande Guerra trouxe algumas descobertas dignas de nota. O período pós-conflito nesse país, entre 1944 e 1945, foi marcado por uma fome intensa. Registros dos nascimentos ocorridos nesta época demonstraram que, se a mãe sofresse privações no momento da concepção e nos primeiros meses de gestação, seus bebês apresentavam mais tarde maior risco de obesidade e doenças mentais.

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E o mais inesperado: esses efeitos apareceram também nas gerações seguintes. É como se a privação alimentar sofrida no útero, no início da gestação, tivesse programado o DNA daquele bebê para viver numa situação de fome extrema, adaptando seus genes para aproveitar ao máximo as calorias dos alimentos e resultando, possivelmente, em uma maior probabilidade de gerar um corpo obeso quando a oferta de comida melhorasse.

Isso nos faz pensar nos dias de hoje: qual será o resultado de tantas mulheres fazendo dietas restritivas durante a gestação com medo de engordar? Estaremos enganando nossos fetos, programando nossos filhos para um ambiente hostil, só para depois jogá-los em um ambiente com alimentação abundante, onde eles irão facilmente engordar, com seus genes programados para aproveitar ao máximo as calorias? Estaríamos, assim, criando uma geração de indivíduos potencialmente obesos, que, por sua vez, irão passar a vida lutando contra os efeitos epigenéticos do DNA?

A informação de que somos responsáveis pelo funcionamento dos nossos genes e pelos das futuras gerações pode parecer assustadora no início, mas é também libertadora se pensarmos que podemos controlar e moldar nosso destino. A epigenética mostra que temos responsabilidade sobre a atividade dos nossos genes — e os dos nossos filhos e netos. O DNA não é um destino inexorável e imutável. A epigenética é o livre arbítrio da genética.

* Dra. Natalia Pasternak Taschner é bióloga, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenadora dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science no Brasil e uma das idealizadoras e colaboradoras do blog Café na Bancada.

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