Estudo mostra o que é uma “boa morte” para quem vive com demência
Encarar o fim com dignidade envolve priorizar o conforto e o bem-estar em vez de prolongar a vida a qualquer custo

Falar sobre o fim da vida pode ser um tabu — especialmente quando falamos de pessoas com demência, cuja autonomia e comunicação vão se perdendo ao longo do tempo. Mas, afinal, o que seria uma “boa morte” para alguém que vive com essa condição?
Um recente estudo, publicado em março deste ano no BMJ Open, buscou essa resposta ao ouvir familiares enlutados e profissionais de saúde que acompanharam pacientes com demência até o fim.
Os resultados nos trazem importantes (e tocantes) revelações. Segundo o levantamento, para a maioria das pessoas entrevistadas, morrer bem não significa prolongar a vida a qualquer custo, mas sim garantir conforto, acolhimento emocional e respeito às vontades da pessoa — mesmo quando ela já não consegue expressá-las com clareza.
Nesse contexto, entende-se que uma “boa morte” é silenciosa, sem sofrimento desnecessário, em um ambiente tranquilo e cercado de pessoas que realmente importam. Sobretudo, é estar em paz, e não apenas vivo.
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No entanto, o estudo também evidencia uma importante divergência: enquanto médicos e enfermeiros tendem a priorizar o controle dos sintomas físicos e o alívio da dor, muitos familiares dão mais importância à conexão emocional, à escuta sensível e à presença afetuosa nos momentos finais.
Essa diferença de perspectiva nos convida a refletir sobre algo essencial: não existe um único modelo de fim de vida ideal. Existe, sim, o desejo legítimo de cada pessoa em ser cuidada com dignidade, humanidade e escuta ativa — e esse desejo precisa ser considerado com antecedência, registrado e respeitado.
Felizmente, já temos ferramentas para isso. Conversas antecipadas sobre o fim da vida, planejamento de cuidados e documentos como as diretivas antecipadas de vontade (o chamado “testamento vital”) são formas potentes de garantir que as escolhas do paciente estejam no centro das decisões — especialmente em casos de doenças neurodegenerativas como a demência.
Como médica geriatra, vejo cada vez mais famílias aliviadas ao perceber que é possível viver bem até o fim — mesmo diante da perda de memória, da funcionalidade ou da palavra, que são comuns naqueles que apresentam um quadro de demênia. Porque dignidade não depende da lucidez, mas do cuidado, da acolhida e da segurança que se oferece.
Falar sobre a morte é, no fundo, um exercício de amor. E cuidar para que ela seja boa é um compromisso com a vida até o último dia, o último suspiro.