Quantas mulheres tiveram câncer na mama associado à prótese de silicone?
Agência de saúde dos Estados Unidos estima pouco mais de 1,1 mil casos e 59 mortes devido a um tipo específico de linfoma associado aos implantes
A associação entre o implante de silicone nos seios e o desenvolvimento de um tipo de câncer, chamado linfoma anaplásico de grandes células (BIA-ALCL), é alvo contínuo de estudos pela comunidade científica internacional.
O problema ganhou repercussão em todo o mundo em 2018, quando o uso de próteses da empresa Allergan foi suspenso na Europa.
Cinco anos após o caso, permanece incerto o número de mulheres que desenvolveram esses tumores, dúvida enviada por uma leitora de VEJA SAÚDE.
Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), agência de saúde semelhante à Anvisa, realizou avaliações sobre o problema.
Em julho de 2019, a entidade contabilizou 573 casos e 33 mortes por esse tipo de câncer no mundo, sendo 481 em mulheres com próteses da Allergan. Dados mais recentes da agência norte-americana informam que até abril de 2022 foram recebidos 1.130 relatos de casos e 59 mortes.
A partir dessas informações, a FDA solicitou à fabricante que realizasse um recall mundial. Contudo, o órgão afirmou à época que não recomendava a remoção dos implantes para pacientes sem sintomas devido a riscos potenciais da cirurgia.
VEJA SAÚDE entrou em contato com a Allergan, que agora é parte da farmacêutica AbbVie, para pedir um comentário da empresa, mas não obteve respostas.
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O BIA-ALCL é um tipo raro de linfoma não Hodgkin, que envolve as células do sistema imune. Ele é caracterizado por um crescimento anormal de células de defesa do organismo chamadas linfócitos T.
O médico Cícero de Andrade Urban, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), explica que o problema esteve associado principalmente a um tipo específico de próteses, as macrotexturizadas, que não são mais utilizadas atualmente.
“Havia uma dúvida naqueles anos se realmente havia essa relação, mas hoje as informações estão consolidadas e podemos afirmar que ela existe sim”, afirma Urban.
O especialista acrescenta, contudo, que os casos são raros e multifatoriais. “Não é só a prótese que está envolvida, portanto não é toda paciente que vai ter um linfoma”, diz.
“Acreditamos que existem fatores relacionados à paciente, à texturização da prótese e à própria constituição da mama, como a presença de bactérias que podem, eventualmente, desencadear resposta inflamatória mais intensa e, junto com o sistema imunológico, levar a esse tipo de doença”, completa.
O mastologista afirma, ainda, que as pacientes devem ser informadas sobre o risco, que é baixo.
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Relembre o caso
Em dezembro de 2018, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a suspensão da comercialização e o uso de quatro implantes de silicone da empresa Allergan.
Durante a vigência da suspensão de uso no Brasil, a Anvisa realizou uma ampla investigação sobre a segurança dos implantes texturizados.
Na ocasião, consultou autoridades regulatórias de outros países e avaliou o banco de dados do Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária (Notivisa), a fim de identificar registros de suspeita de BIA-ALCL ligados a produtos registrados no país.
No conjunto de ações implementadas, a Anvisa notificou a Allergan para prestar informações. A fabricante apresentou então o plano de acompanhamento de pacientes, dados do arquivo de reclamações e o quantitativo dos produtos sob risco importados, comercializados, implantados e em estoque.
Por fim, a Anvisa solicitou estudos para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com o objetivo de entender melhor a associação.
O que diz o estudo da Fiocruz
Os pesquisadores da Fiocruz Brasília realizaram uma revisão de literatura com busca em bases de dados de estudos científicos. Ao todo foram identificados 797 pesquisas, das quais 12 foram selecionadas e avaliadas.
Ao menos duas apontaram aumento da chance de ocorrência de BIA-ALCL nas mulheres que se submeteram a esse procedimento, em especial nos implantes de superfície texturizada.
Grande parte das cirurgias foi realizada por motivos estéticos, em seguida, vieram as reconstruções após a mastectomia. Nesses casos, não se sabe, segundo os autores, se a reconstrução é um fator de risco ou agravante para o desenvolvimento do linfoma.
Os especialistas concluíram que os dados apontaram associação entre o implante mamário e o desenvolvimento de BIA-ALCL. Entretanto, não foi possível estabelecer relação causal.
O artigo está disponível para acesso online no Arca, o repositório institucional da Fiocruz.
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Medidas tomadas
Após a análise, a Anvisa afirmou em nota que não foi comprovada a relação entre o uso de implantes e o desenvolvimento de ALCL e liberou a comercialização e uso dos produtos em março de 2019.
Contudo, depois disso, os quatro implantes tiveram seus registros cancelados – dois deles em maio de 2020 e os outros dois em setembro de 2021.
Questionada se houve nova avaliação de risco, a Anvisa respondeu que “permanece em constante vigilância tendo em vista os riscos inerentes e a causalidade não ter sido totalmente descartada”.
Perguntamos também se a agência mantém o posicionamento de que não há associação entre esse tipo de linfoma e o uso dos produtos da Allergan. Sobre este ponto, a Anvisa ressaltou os resultados encontrados no estudo feito pela Fiocruz e destacou que o tema ainda permanece sob avaliação científica internacional.
“A Anvisa reforça a importância de que os profissionais assistentes e pacientes com implante mamário notifiquem a agência quando da eventual ocorrência deste tipo de linfoma ou qualquer outro evento adverso”, disse a agência em nota.