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Saúde é pop

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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Descubra o que é — e se você é — um comprador compulsivo

Sim, existe um transtorno do consumo compulsivo. É hora de entender o que está por trás dele e como identificá-lo — pelo bem da mente e da conta bancária

Por André Bernardo
Atualizado em 26 nov 2020, 10h14 - Publicado em 20 dez 2019, 12h12
compulsão por compras
Cena do filme "Os Delírios de Consumo de Becky Bloom", que fala de compradores compulsivos (Foto: Disney (divulgação)/SAÚDE é Vital)
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Sempre que um credor bate à sua porta ou telefona para sua casa, a jornalista Becky Bloom, de 25 anos, pede para sua melhor amiga, Suze, inventar uma desculpa qualquer. Para uns, ela diz que Becky quebrou a perna. Para outros, que entrou em depressão. Outra justificativa recorrente é: “viajou para a Finlândia”. A certa altura, Suze chega a dizer que uma tia de Becky morreu em um acidente de… paraquedas! Seria cômico se não fosse trágico.

Becky sofre de oneomania, o transtorno do consumo compulsivo, mas demora a admitir. De origem grega, a palavra “oneomania” é formada pela junção de outras duas: one(o), que quer dizer compra, e mania, que pode ser traduzido como compulsão. No Dicionário Houaiss, é descrita como impulso exacerbado de comprar coisas de que não precisa.

Mas, até procurar ajuda e se livrar do vício, a jornalista estourou o limite de 12 cartões de crédito e passou a dever 16,2 mil dólares na praça – o equivalente a 66,5 mil reais. Seu descontrole é tão grave que, num brechó, chegou a trocar sopapos com outra mulher por causa de um par de botas com 50% de desconto! “Quando eu faço compras, o mundo fica melhor. Mas, pouco depois, deixa de ser. Daí eu preciso fazer compras outra vez”, confessa.

Só que Becky Bloom não existe. Melhor dizendo: só existe na série de livros Os Delírios de Consumo de Becky Bloom (clique aqui para comprar, mas não pode ser por impulso, hein?!) Escrita pela inglesa Sophie Kinsella, a obra foi adaptada para o cinema em 2009. Mas, se Becky Bloom não passa de ficção, o vício em compras é bem real. E tende a piorar nesta época do ano, entre as bombásticas promoções da Black Friday e as imperdíveis liquidações do Natal.

“Nem toda pessoa que compra bastante é um comprador compulsivo”, pondera a psicóloga Fernanda Barcellos Serralta, doutora em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. “O comprador compulsivo não compra por prazer e, sim, por necessidade psicológica. Ele quer apenas preencher um vazio deixado pela ansiedade ou depressão”, esclarece.

Reféns do cartão de crédito

A oneomania é classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno do controle de impulso e, segundo estimativas internacionais, atinge 8% da população. Um estudo da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, revela, após análise de 2,5 mil americanos, que a compulsão por compras já atinge quase o mesmo número de homens (5,5%) e mulheres (6%). A diferença é que, enquanto elas gastam seus salários com roupas, bolsas e sapatos, eles contraem dívidas com smartphones, carros e motos.

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Identificar um comprador compulsivo não chega a ser um bicho de sete cabeças. Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), alguns critérios são: comprar mais do que pode pagar, adquirir itens desnecessários ou inúteis — tem gente que, ao chegar em casa, não tira sequer os produtos das embalagens! — e tentar reduzir o volume de compras, mas não conseguir.

“O ato de comprar é prazeroso. Mas pode se tornar um vício. E, para piorar, o comprador compulsivo tem dificuldade para reconhecer que passou dos limites”, alerta a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do livro Mentes Consumistas: Do Consumismo à Compulsão por Compras.

Há quem compare a compulsão por compras ao consumo de drogas. Faz sentido. Afinal, uma dependência é comportamental e a outra, química. Partindo desta premissa, o cartão de crédito e o cheque especial seriam tão perigosos, guardadas as devidas proporções, quanto o álcool e a cocaína.

“Estudos com neuroimagem reforçam essa percepção”, afirma a psiquiatra Cristiana Nicoli de Mattos, do Programa para Compradores Compulsivos do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Pró-Amiti), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Quando expostos às imagens de objetos a serem comprados, o cérebro dos compradores compulsivos tem ativação semelhante ao de dependentes químicos quando expostos às imagens de sua droga favorita”, revela.

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Terapia para a cabeça e a conta

No filme inspirado na série de livros, Becky Bloom consegue superar sua compulsão com a ajuda de um grupo semelhante aos Devedores Anônimos. Os membros organizam um bazar para vender tudo o que tinham comprado por impulso. No fim das contas, o montante acumulado foi revertido para o pagamento de suas dívidas.

No Brasil, o Pró-Amiti oferece, desde 2004, vários tipos de tratamento, como atendimento médico, que pode prescrever remédios para os casos mais graves; acompanhamento psicoterápico, que pode ser individual ou em grupo; e terapia familiar, que tem por objetivo a troca de experiências e informações. No caso dos compradores compulsivos, a participação de amigos e familiares é fundamental, tanto no diagnóstico quanto no tratamento.

Além do desgaste psicológico, a compulsão por compras gera prejuízo financeiro. De tanto usar o cartão de crédito ou entrar no cheque especial, o sujeito acaba contraindo dívidas e mais dívidas, e ficando com o nome sujo. Para pagar o que deve, faz empréstimos no banco ou pede dinheiro para agiotas. É o clássico “buraco sem fundo”.

“Na maioria das vezes, a família sequer desconfia que tem um comprador compulsivo em casa. Muitas vezes, eles escondem o que compram em armários, para ninguém ver, ou dão de presente. Quando a família descobre, é sempre um choque: casamentos são desfeitos, pais e filhos param de se falar e assim por diante”, relata Cristiana.

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Mas o que fazer para não sucumbir às tentações (ou compulsões) natalinas e entrar 2020 com o saldo tão vermelho quanto à roupa do Papai Noel? A psicóloga Tatiana Zambrano Filomensky, coordenadora do Programa para Compradores Compulsivos do Pró-Amiti, dá alguns conselhos. O primeiro é perguntar a si mesmo: até quanto eu posso gastar nesse Natal e como eu vou pagar?

“Definir a quantia de que você dispõe para gastar com presentes é fundamental. Fazer uma lista de todos os itens e pesquisar os preços, antes de comprá-los, também”, recomenda. Por fim, quando for ao shopping, experimente deixar o cartão de crédito em casa. “Fazer as compras com dinheiro físico vai ajudar a controlar melhor os seus gastos”, indica Tatiana.

Teste: você é um comprador compulsivo?

A equipe do Pró-Amiti tem um teste que ajuda a identificar quem pode sofrer de consumo compulsivo. Se você responder SIM para ao menos cinco das nove perguntas abaixo, convém procurar um profissional. Vamos lá?

1. Você tem preocupação excessiva com compras?
2. Muitas vezes, acaba perdendo o controle e comprando mais do que deveria ou poderia?
3. Percebeu um aumento progressivo do volume de compras e nas suas despesas?
4. Já tentou e não conseguiu reduzir ou controlar as compras?
5. Faz compras como uma forma de aliviar a angústia, tristeza ou outra emoção negativa?
6. Mente para encobrir o seu descontrole e as quantias que gastou com compras?
7. Tem ou teve prejuízos sociais, profissionais ou familiares em função das compras?
8. Tem problemas financeiros causados por compras?
9. Já se envolveu com roubo, falsificação, emissão de cheques sem fundos ou outros atos ilegais para poder comprar, ou pagar dívidas?

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