Precisamos educar as emoções para a vida em sociedade na pandemia
Psicóloga explica como a educação socioemocional pode ajudar crianças, adolescentes e adultos a enfrentarem melhor os desafios impostos pela Covid-19
Em 2009, cerca de um em cada quatro brasileiros passava mais de três horas por dia diante de telas – celulares, computadores e TVs. Em 2019, essa proporção disparou para quase dois em cada três pessoas (62%), segundo dados da Vigitel, pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde a partir de entrevistas por telefone.
Outro levantamento de 2019, este da Unicef (Fundo da ONU para a Infância), indica que um em cada três jovens no mundo é vítima de bullying online. E um terceiro estudo, conduzido pela plataforma digital de serviços de psicologia Vittude, em cima de dados referentes ao período de 2016 a 2019, revelou que 86% dos brasileiros sofrem de algum transtorno mental.
Todas essas pesquisas evidenciam a necessidade de fortalecer habilidades e competências socioemocionais. Ainda mais em tempos de pandemia, quando as pessoas precisam ficar mais distantes ou mesmo isoladas. Essa reclusão tem custos e impacta sobretudo a capacidade de os indivíduos se relacionarem e exercitarem empatia. Isso é algo mais crítico para crianças e jovens, que estão justamente desenvolvendo essas competências.
A relevância do tema já estava em pauta antes mesmo da Covid-19: o Fórum Econômico Mundial considerou, ainda em 2016, que a inteligência emocional seria uma das dez habilidades mais importantes para o futuro. No ano seguinte, o Ministério da Educação brasileiro passou a determinar que as escolas trabalhassem de forma direta com o desenvolvimento socioemocional dos alunos. Por um infeliz acaso, a pandemia chegou no momento em que as instituições começavam a aderir à determinação do governo.
A crise da Covid-19 nos fez ficar cara a cara com nossas fragilidades e nos lançou em uma nova realidade. O isolamento social, embora tenha unido fisicamente muitas famílias, nem sempre as tornou unidas do ponto de vista emocional. Pais e professores, no entanto, conseguiram compreender melhor conflitos e medos de seus filhos e alunos por meio da educação socioemocional. Como?
Muitos adultos aproveitaram a oportunidade para conquistar a atenção e a emoção de crianças e adolescentes. Isso é feito, por exemplo, sabendo dosar as críticas e reclamações. Falar que “você é muito bagunceiro” ou “você nunca me ouve” estampa rótulos e imagens registrados no cérebro dos mais jovens, que passam a se enxergar dessa forma. Sim, precisamos ter essa noção em mente ao educar nossos filhos. Além disso, brincadeiras, histórias e o compartilhamento de alegrias e dores podem ser os blocos de montagem de um vínculo familiar mais saudável e inteligente.
A pandemia evidenciou aquilo que, na Escola da Inteligência, trabalhamos há mais de dez anos: o ensino socioemocional deve ocorrer como forma de promoção e de prevenção. Esse é o caminho não só para que se possa reconhecer e nomear emoções, mas também para aprender a lidar com as adversidades da vida e as incertezas que surgem. Saber gerenciar os pensamentos negativos e os comportamentos não saudáveis é essencial para que não nos tornemos reféns dos nossos problemas.
Habilidades como autoconhecimento, empatia e resiliência preparam nossas crianças e jovens para enfrentar o mundo. A educação socioemocional não vai impedir que a vida e o planeta nos afetem, mas vai mudar a forma como esse impacto é absorvido e assimilado. Assim, escolas e famílias precisam correr contra o tempo, tanto para garantir um preparo emocional para os mais novos quanto para si mesmos. Quando agimos com coerência entre o que pregamos, falamos e fazemos, fica muito mais fácil educar crianças, jovens e adultos emocionalmente inteligentes.
* Camila Cury é psicóloga, especialista em comportamento humano e fundadora da Escola da Inteligência, programa de educação socioemocional aplicado em mais de mil escolas no Brasil