Doação de sangue: vermelho é a cor da cidadania
No Junho Vermelho, o líder do Movimento Eu Dou Sangue dá um recado importante sobre a transfusão sanguínea
Engana-se quem acha que estamos falando de política. Embora a cor vermelha tenha ganhado uma forte tendência ideológica, a pauta aqui é doação de sangue.
O sangue é vermelho desde sempre. Muito antes de Karl Marx nascer ou do mundo se transformar nessa imensa travessa de água e óleo onde pessoas com formas diferentes de pensar não se misturam de modo algum, ele já tinha essa cor.
E é aí que a doação de sangue desponta como uma forma genuína de exercício da cidadania e uma verdadeira ação da cultura de paz.
É o momento em que as pessoas, através de um gesto único e desinteressado, dão de si literalmente para o bem do outro. Para um desconhecido. Um completo estranho.
O doador e o receptor provavelmente jamais se encontrarão, mas estão ligados por algo que une todos os seres humanos: o sangue!
É por isso que nós do Movimento Eu Dou Sangue entendemos o ato de doar sangue como uma expressão de cidadania e uma forma efetiva de se promover a paz.
A escolha do verbo “dar” ao invés do verbo “doar” para o nome do movimento também não foi um acaso. Estamos habituados a doar o que não usamos mais, o que não queremos mais ou o que não precisamos mais. Nenhuma dessas afirmações se aplica ao sangue.
Outra constatação decisiva para a escolha do verbo é que a expressão “dar sangue” já vem carregada de outro significado.
Dar sangue é se importar, é se envolver, é dar de si.
Mais uma mensagem que remete à cidadania, não é mesmo?
O Junho Vermelho, que teve início em 2014 por iniciativa do Movimento Eu Dou Sangue, foi uma das formas encontradas para incentivar o brasileiro a incluir a doação de sangue em seu dia a dia.
Somos, de uma forma geral, um povo bastante solidário. Nos mobilizamos em situações de tragédias e calamidades públicas para arrecadar alimentos não perecíveis, água, roupas, cobertores e até dinheiro.
Contudo a doação de sangue não consta da lista de ações solidárias de 98,2% da população brasileira (apenas 1,8% é doadora de sangue). Na Europa, esse número mais que triplica em alguns países.
Isso significa que o europeu é mais solidário que o brasileiro? Talvez seja, o que eu duvido, mas não baseado nesse indicador.
O fato é que os europeus têm em seu passado recente muito mais episódios trágicos e dramáticos onde a necessidade de doações de sangue era enorme. Guerras mundiais, terremotos, atentados terroristas e calamidades de grandes proporções estão latentes na memória de todo o continente.
O Brasil, como diria Jorge Ben Jor, “é um país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza”. No entanto, toda benção e beleza a nós concedida não impede que tenhamos nossas próprias tragédias e calamidades.
E se, graças a Deus, não sabemos por aqui o que é uma guerra desde o século 19, temos a nossa violência urbana diária e cotidiana, que de guerra só não tem o nome.
Mas eu estaria sendo alarmista e prestando um desserviço à causa se vinculasse a doação de sangue apenas a casos extremos. A transfusão de sangue é um procedimento utilizado em diversas circunstâncias e, principalmente, em tempos de paz.
Cirurgias de alta complexidade como transplantes e cirurgias cardíacas são apenas algumas das situações em que as transfusões são indicadas. Pacientes em tratamento quimioterápico, portadores de anemias (especialmente a falciforme) e parturientes são outros entre os muitos beneficiados.
E se por um lado aumenta o número de pacientes que precisam de sangue, por outro as restrições para que alguém possa realizar a doação são cada vez mais maiores.
Epidemias de dengue, zika e chikungunya, o aumento da incidência de aids e o retorno de doenças como sífilis, febre amarela e até sarampo são algumas das condições que impedem que o sangue de quem foi afetado seja coletado para transfusão.
Outro exemplo são os portadores de tatuagens e piercings. Por 12 meses, eles não podem doar sangue.
Portanto não basta termos o desejo de realizar uma doação de sangue. É preciso estarmos aptos para tal.
Ainda me lembro da decepção e do nó na garganta quando fui “barrada no baile”. A bem da verdade, eu não pude doar sangue naquela ocasião e muito menos depois dela.
Eu nunca doei sangue na vida, o que não me impede de “dar sangue” há mais de nove anos, incentivando outras pessoas a fazerem o que eu não posso.
Quem sabe você, que está lendo este artigo aí do outro lado, sinta-se motivado a dar sangue também. Como eu, talvez não esteja apto. Mas teremos atingido nosso objetivo como Movimento se de alguma forma você se dispuser a se envolver, a se importar e a dar de si!
Então, o vermelho é ou não é a cor da cidadania?
*Debi Aronis é uma das fundadoras do Movimento Eu Dou Sangue