Cirurgia plástica: precisamos desconstruir o mito da beleza
O ideal de beleza feminina, principalmente em tempos de Photoshop e redes sociais, tem contribuído para procedimentos estéticos desnecessários e perigosos
Em meados de 1800, as revistas estampavam ilustrações de mulheres com cinturas extremamente finas, impossíveis de serem alcançadas na vida real. Inspiradas nesse “ideal de beleza feminina”, as mulheres chegavam a afetar a própria saúde usando espartilhos cada vez mais apertados.
Se naquela época eram os desenhos nas revistas que forneciam às mulheres um modelo de corpo perfeito, mais recentemente a tecnologia entrou em ação para deixar ainda mais complicada a luta para se enquadrar em um padrão de beleza. Era iniciada a era das fotos com Photoshop. A edição das imagens deixava as barrigas de modelos ainda mais retas, seus seios mais empinados e o bumbum mais redondo.
Com a expansão das mídias sociais e a ascensão dos influenciadores digitais, o corpo feminino perfeito passou a ser inspirado pelo que está em nossos feeds do Instagram. Rapidamente vieram os aplicativos e os filtros. Qualquer pessoa podia agora fazer sua barriga parecer mais sequinha, tirar manchas do rosto, afinar o nariz e engrossar os lábios em poucos segundos.
Mas o que a cirurgia plástica tem a ver com isso? Absolutamente tudo! Há séculos, as mulheres são induzidas a se enquadrar em modelos irreais de beleza. Várias gerações cresceram acreditando que seus corpos precisam se adequar. E a qualquer custo. Não à toa, cada vez mais vemos jovens perdendo suas vidas em procedimentos estéticos que sequer precisavam realizar.
Eu sou cirurgião plástico há mais de 20 anos. Já atendi pacientes que chegaram ansiosas para terem corpos parecidos aos de uma celebridade. Ou, mais recentemente, querendo fazer procedimentos da moda influenciadas pelo que veem nas redes sociais.
Infelizmente, esses meios banalizam cirurgias plásticas a ponto de as pessoas acreditarem que tudo pode ser equiparado a uma ida ao dentista (ou à manicure). Isso não é real. Todo tipo de cirurgia, da mais simples à mais complexa, possui riscos.
É imprescindível informar sobre esses riscos de forma muito clara, listando as intercorrências que podem acontecer. Além disso, a atenção e o cuidado com os pacientes submetidos aos procedimentos estéticos precisa ser uma constante em todas as etapas do processo — especialmente no pós-cirúrgico, momento no qual muitas vezes acontecem as complicações que levam à morte.
O trabalho de um bom cirurgião não se restringe ao procedimento em si: é necessário entender as expectativas de cada paciente, suas motivações para realizar o procedimento e o que vem vivendo no momento. Também é essencial ter certeza de que a pessoa realmente vai se beneficiar dessa cirurgia e, enfim, deixar claro que a beleza é múltipla e não possui um padrão.
Ser um bom profissional é dizer coisas como: “Não, você não precisa de lipo, você é linda do jeito que é”. Muitas vezes, o que o paciente necessita é de uma boa orientação ou até de suporte psicológico. Ao tratar transtornos dismórficos e alimentares, depressão e tantos outros problemas do tipo, a vontade de fazer uma plástica pode desaparecer.
Que fique claro: eu sou um grande defensor da cirurgia plástica como uma ferramenta de empoderamento e conquista da autoestima. No entanto, nós, especialistas, precisamos entender que as mulheres estão pressionadas para criarem versões photoshopadas delas próprias. Para combater isso, temos que desconstruir o mito da beleza a qualquer custo. É preciso incentivá-las a perceber a beleza real.
*Victor Cutait é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), professor de cirurgia plástica da Universidade Nove de Julho (UniNove) e apresentador do canal Energia da Beleza. Ele dirige a Clínica Cutait Cirurgia Plástica, especializada em Cirurgia Plástica, Dermatocosmiatria e Fisioterapia Dermatofuncional. O médico cirurgião é pioneiro em lipoaspiração fracionada no Brasil.