Uma em cada cinco crianças ou adolescentes está acima do peso ideal no mundo. O problema está associado a diversos fatores, incluindo alimentação inadequada, além de aspectos comportamentais, ambientais e socioculturais.
O alerta é de um novo estudo publicado no periódico científico JAMA Pediatrics nesta segunda-feira, 10. De acordo com a pesquisa, as taxas variam de acordo com a renda regional e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada país.
Para chegar aos resultados, os cientistas da Universidade de Sichuan, na China, avaliaram mais de 2 mil estudos realizados entre 2000 e 2023 em 154 países ou regiões diferentes. Juntas, essas pesquisas envolveram mais de 45 milhões de indivíduos.
De acordo com a análise, a prevalência global de obesidade em crianças e adolescentes foi de 8,5%. O índice variou entre os países, de 0,4%, em Vanuatu, na Oceania, a 28,4%, em Porto Rico. No Brasil, a taxa ficou em 8,6%. A maior incidência foi encontrada em países considerados ricos e desenvolvidos.
O trabalho também atestou o crescimento da obesidade no público infantojuvenil. A prevalência do problema aumentou 1,5 vezes comparando os períodos de 2000 a 2011 e 2012 a 2023.
O excesso de peso na infância e adolescência está associado a maior risco e início precoce de diversas condições de saúde, como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Além disso, tem consequências para a saúde mental, devido ao estigma, discriminação e bullying.
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O que explica o aumento da obesidade entre crianças e adolescentes?
Vários aspectos da vida moderna respondem a essa pergunta.
“Não há dúvidas de que a inatividade física, ou seja, menor gasto de energia, e uma ingesta maior de calorias são o fator base para o desenvolvimento do sobrepeso e obesidade”, pontua o médico nutrólogo Durval Ribas Filho presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
A forma como comemos está mudando para pior, o que reflete nas estatísticas. “O acesso facilitado a alimentos mais calóricos, como os ultraprocessados, e uma menor ingesta de itens in natura, como frutas e verduras, facilitam o ganho de peso de crianças e adolescentes, principalmente em países em desenvolvimento”, pontua o médico endocrinologista Paulo Rosenbaum, do Hospital Israelita Albert Einstein.
O estudo revelou que pular o café da manhã também esteve associado a um risco aumentado de obesidade pediátrica, o que foi já havia sido apontado por pesquisas anteriores, com adultos.
Nesse contexto, fazer mais de três refeições por dia foi associado a um menor risco excesso de peso, o que pode ser explicado pela teoria de que comer mais vezes em menores porções é mais saudável.
Além disso, a epigenética é um fator básico que pode favorecer a obesidade infanto juvenil e, também, no adulto, como explica Ribas.
“Se a mamãe gestante ganhar mais que 24 kg durante a gestação ou mesmo se tiver desnutrição energético proteica, o seu bebê será obeso, devido uma hipercelularadidade adipocitaria – aumento de células adiposas no bebê, ou por questão de economizar gasto de energia, gene poupador de energia, que esse bebê terá o resto da vida, incluindo a infância e adolescência”, diz Ribas.
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Consequências à saúde
Os especialistas chineses investigaram comorbidades associadas à obesidade entre crianças e adolescentes. De acordo com a pesquisa, ao menos 26 estudos relataram hipertensão, com uma taxa de prevalência que chegou a 28%.
Além disso, foram documentados problemas como cárie dentária, deficiência de vitamina D, asma, diabetes, pé chato, ansiedade e depressão.
Além do processo de estigmatização e de bullying na escola ou com os amiguinhos, cerca de 66% dessas crianças e adolescentes terão obesidade na vida adulta, destaca Ribas. “E por conta disso podem desenvolver comorbidades associadas graves, sendo uma das mais importante a resistência insulínica, que abre caminho para a síndrome metabólica“, enfatiza Ribas.
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Ambientes obesogênicos impactam saúde dos jovens
O aumento de peso também envolve os espaços de convívio dos indivíduos. Ambientes obesogênicos promovem ou facilitam escolhas alimentares pouco saudáveis, além de comportamentos sedentários.
“São aqueles locais em que existe uma oferta muito grande de alimentos calóricos, ou seja, com uma grande quantidade de açúcares, gorduras e calorias, que fazem com que a pessoa ganhe peso, como os ultraprocessados“, explica Rosenbaum.
Nesse contexto, tanto os lares quanto as escolas têm um papel fundamental na criação de um ambiente alimentar saudável. É preciso cuidar do que é servido na escola, vendido nas cantinas e ofertado na casa de pais e avós.
“A conscientização sobre a questão do peso geralmente ocorre somente entre os 9 a 11 anos. O desafio é enorme até essa idade, já que a criança não tem a capacidade cognitiva efetiva de compreender os riscos do excesso de calorias e, consequentemente, os conceitos de sobrepeso e obesidade”, explica Ribas.
Para o endocrinologista do Hospital Albert Einstein, o exemplo deve partir dos pais e cuidadores.
“É importante que as refeições sejam feitas em conjunto, para que as crianças acompanhem os pais. A começar por um prato de salada para todos. Toda a família precisa modificar seu estilo de vida”, frisa Rosenbaum.
O ambiente obesogênico também é associado à falta de estímulo ao movimento, como localidades que não contam com espaços públicos para a prática de esportes, por exemplo. A sensação de insegurança também empurra a juventude a passar cada vez mais tempo em locais fechados e diante de telas.
“A atividade física na escola não é suficiente, as crianças e os adolescentes devem fazer exercícios fora da escola e o ideal é que isso aconteça todos dias. Hoje, elas estão cada vez mais restritas, não brincam tanto, ficam o dia inteiro dentro do quarto”, afirma o médico do Einstein.
Os autores do estudo chinês defendem a intervenção de profissionais de cuidados primários, médicos, autoridades de saúde e do público em geral para contornar o problema.
“O mais importante em relação aos achados desse estudo é mostrar que a obesidade e o excesso de peso vem aumentando nos jovens e que políticas públicas devem ser implementadas para tentar amenizar esse mal”, destaca Rosenbaum. “Não é um problema simples, que pode ser resolvido só diminuindo o que está comendo ou fazendo mais atividade física. É algo mais amplo, que envolve questões governamentais e políticas”, conclui.