Do conselho atribuído a Hipócrates (460-377 a.C.) de fazer do alimento o seu remédio a programas de computador que ajudam a desenvolver ingredientes do campo à indústria, o livro da dieta saudável é recheado de bons e velhos conselhos, descobertas e inovações científicas e pitadas de polêmica.
Suas páginas contemplam tradições, modismos, avanços tecnológicos e consensos vindos de estudos que trazem orientação para o dia a dia após uma boa mastigada dos nutricionistas.
“Para chegarem à população, as informações da ciência precisam ser transmitidas por profissionais que saibam traduzi-las e colocá-las na prática”, diz Manuela Dolinsky, diretora do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN).
Um cuidado que se tornou ainda mais necessário com o caldeirão das redes sociais, onde interpretações equivocadas, interesses comerciais, sensacionalismos e fake news atingem o ponto de fervura.
“O nutricionista deve ocupar o espaço que influenciadores digitais, muitas vezes leigos, estão tomando. Mas tem de saber se posicionar como um profissional da saúde, que é o seu papel na sociedade”, defende Manuela.
E, nesse sentido, a classe tem o que celebrar: desponta entre as fontes de informação mais respeitadas quando se fala em alimentação no Brasil, segundo estudos recentes. “Isso não acontece em outros países da América Latina nem nos Estados Unidos”, conta a nutricionista Cynthia Antonaccio, líder da consultoria Equilibrium Latam.
+ Leia também: Dieta à base de plantas avança entre a população
Cynthia é coautora de uma pesquisa, realizada pela plataforma Academia da Nutrição, que coletou o olhar e a opinião de quase 200 nutricionistas sobre diferentes categorias de alimentos, bebidas e suplementos — afinal, parcela considerável do que consumimos passa em alguma etapa pela indústria e está sujeita a indicações e contraindicações dos nutris.
De cara, o estudo mostra que foi-se o tempo em que o emagrecimento era o foco da categoria. Outras abordagens, como a nutrição esportiva e a comportamental (que busca promover um relacionamento mais amigável com a comida, menos refém de dietas restritivas), ganham espaço.
“É que comer engloba aspectos psicológicos, culturais e sociais”, resume Manoela Figueiredo, uma das precursoras da nutrição comportamental.
“O olhar da nutrição moderna se volta cada vez mais para o contexto, e não para um alimento ou nutriente isolado”, afirma a nutricionista Carolina Godoy, diretora da Academia da Nutrição e corresponsável pela pesquisa exclusiva, cujos achados você vai conhecer ao longo da reportagem.
Como comprova a nova pesquisa, hoje é impossível discorrer sobre dieta saudável sem incluir o cuidado com o meio ambiente — algo que está no radar dos nutricionistas. Já existe um consenso científico, elaborado pela comissão internacional EAT-Lancet, que recomenda práticas e escolhas mais sustentáveis, visando a uma alimentação balanceada e à preservação da biodiversidade.
O documento enfatiza a redução do consumo de carne e o aumento na ingestão de alimentos de origem vegetal, tudo com o devido equilíbrio. Tal requisito também está contemplado no Guia Alimentar Brasileiro, do Ministério da Saúde. Para ele, a regra de ouro é priorizar comida fresca, frutas, hortaliças e grãos, evitando os produtos ultraprocessados.
+ Leia também: A conta certa de vegetais por dia para você ter mais saúde
Segundo o guia nacional, publicado pela primeira vez em 2014, esse grupo, composto de biscoitos recheados, embutidos, salgadinhos e refeições prontas congeladas, entre outros, concentra altos teores de gordura saturada, açúcar e sódio.
A nova rotulagem brasileira mira justamente esses componentes, cuja ingestão excessiva está associada a ganho de peso e doenças crônicas. E isso é algo que não passa batido pelos nutricionistas entrevistados pela Academia da Nutrição.
Antes de recomendarem um alimento ao paciente, eles dizem fazer uma varredura nos dados estampados na embalagem do produto, caso da lista de ingredientes e da tabela nutricional.
Essa exigência tem tudo a ver com a maior procura pelo clean label. A expressão, que significa “rótulo limpo” e remete a produtos feitos com menos aditivos, conta pontos na hora de o profissional sugerir alimentos no consultório.
Ainda que conservantes, aromatizantes e companhia tenham um papel a cumprir nas receitas, as novas preferências dos nutricionistas e dos clientes têm feito a indústria correr para desenvolver tecnologias e fórmulas com essa pegada, recorrendo inclusive a substâncias mais naturais para colorir e perfumar a comida.
Não é à toa que o uso de urucum, beterraba, alecrim, cebola, alho e outros ingredientes regionais e tradicionais vem se expandindo entre as empresas.
A inteligência artificial é outro recurso de ponta que tem sido utilizado para essa finalidade. Programas de computador e algoritmos avaliam inúmeros compostos e misturas e auxiliam as corporações a criar itens mais saborosos, nutritivos e balanceados.
E, pensando em encurtar distâncias, startups e aplicativos firmaram terreno conectando o consumidor final a pequenos e grandes produtores de alimentos orgânicos ou artesanais, tendência que também estimula o ecossistema local.
Por falar em tendência, a inovação por vezes casa com a tradição. É o que nos mostra a eleição da dieta do Mediterrâneo como melhor programa alimentar no ranking de 2023 da US News & World Report.
Alçado ao posto pela sexta vez pelos profissionais de saúde entrevistados pela empresa de mídia americana, esse cardápio — na verdade, um estilo de vida — privilegia frutas, hortaliças, grãos integrais, queijos, pescados, azeite e castanhas.
Sazonalidade e variedade são pontos essenciais. E, na receita de sucesso, fundamentada no equilíbrio, a palavra de ordem é incluir, e não excluir.
+ Leia também: A fruta certa para cada época do ano
Bem diferente, portanto, do que é conhecido como terrorismo nutricional, um movimento que se espalhou pela internet e por alguns consultórios pautado pela vilanização de itens específicos, como leite, glúten ou carboidrato. Pela necessidade de quebrar mitos, a pesquisa da Academia da Nutrição avaliou a visão dos profissionais sobre lácteos e produtos que costumam conter lactose e glúten.
É que esses nomes foram envolvidos em muita confusão nos últimos anos — embora algumas pessoas tenham intolerância a eles, cortar só para emagrecer ou ficar mais saudável não tem embasamento.
Apenas com exames criteriosos pode-se determinar se um alimento deve ou não sair da rotina. Critério é fator decisivo também na hora de indicar ou comprar suplementos, um fenômeno de vendas sobretudo após a pandemia. A categoria é vasta e atende diversos públicos, da rata de academia ao idoso.
Tem desde sachês de probióticos a whey protein, passando por cápsulas de aminoácidos e multivitamínicos. Diante de tanta oferta, muita gente se encanta e acaba levando para casa produtos sem necessidade ou inadequados ao seu perfil.
Está nas mãos do nutricionista, apoiado nas evidências científicas e no respeito às normas éticas, orientar as melhores escolhas, considerando hábitos, estado de saúde e condições financeiras do paciente.
+ Leia também: O que é intolerância à lactose: sintomas, diagnóstico e tratamento
Entre as trends mapeadas por estudos mundo afora, Cynthia destaca a busca por ampliar a diversidade alimentar. Especialmente as novas gerações são fãs de sabores e ingredientes diferenciados, com mais espaço para a indulgência.
“São os exploradores de comida”, define. Tal desejo estimula a indústria a apostar em matérias-primas regionais, com apelo saudável e sustentável, caso de frutos amazônicos e espécies do Cerrado brasileiro. Os experts da área falam em coro que, quanto maior o repertório à mesa, melhor. E isso vale tanto para os itens do cardápio quanto para a informação.
Tendências da Nutrição
Difundidas pelo globo, elas podem aterrissar no seu prato
1. Clean label
O “rótulo limpo” se aplica a produtos com matéria-prima mais natural e embalagem com dados claros.
2. Sustentabilidade
O conceito sugere priorizar ingredientes sazonais, in natura e produzidos sem prejudicar o ambiente
3. Plant-based
O cardápio ou produtos com essa definição preconizam um modelo alimentar baseado em mais vegetais.
4. Bem-estar
A interação dos alimentos com o humor e as emoções já norteia um campo de estudos e a indústria.
5. Microbiota
Ingredientes que equilibram a flora intestinal estão cada vez mais em alta por seus efeitos na saúde.
6. Mindful eating
Comer com atenção plena traz o foco para as sensações corporais e emocionais no momento das refeições.
7. Ingredientes botânicos
Extraídos de ervas e frutos por meio de alta tecnologia, incrementam produtos com aromas e sabores
Ingredientes polêmicos
1. Gordura trans
Associada ao maior risco de males cardiovasculares, deve ser totalmente banida dos produtos brasileiros.
2. Glúten
Proteína presente no trigo e seus derivados, é nociva somente a celíacos e intolerantes, mas acabou repudiada por muitos.
3. Açúcar
Não precisa excluir. Só que o exagero está ligado a uma lista de problemas que vão de cáries a ganho de peso
4. Aditivos
Embora alguns garantam a segurança dos produtos, quanto menos conservantes e afins, melhor.
5. Lactose
É o açúcar do leite. Tem gente com intolerância. Se não for o caso, não faz sentido retirar os lácteos do menu.