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Mudança em lei pode aumentar quantidade de agrotóxicos que chegam à mesa

O texto, ainda em discussão, quer flexibilizar ainda mais a aprovação de novos produtos e levantou o alerta de especialistas em saúde e alimentação

Por Fabiana Schiavon
30 mar 2022, 14h00
pl do veneno foi aprovada
Já aprovado pela Câmara e em análise no Senado, o projeto de lei 6 229 acendeu o alerta de especialistas em saúde e alimentação já que, segundo eles, a situação hoje é preocupante o suficiente (Foto: Daniel Grizelj/Getty Images/SAÚDE é Vital)
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Foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6 299/2002, que propõe uma nova regulamentação à produção e venda de agrotóxicos.

O texto, que agora segue em tramitação no Senado, preocupa especialistas em saúde e alimentação porque pode flexibilizar ainda mais o registro de novos defensivos agrícolas no país. Desde 2008, o Brasil é o país que mais consome produtos com agrotóxicos, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Por aqui, há permissão para uso de substâncias já banidas em outros países. Para complicar, ocorre venda ilegal de compostos proibidos. Não à toa, os traços desses produtos chegaram até aos alimentos ultraprocessados — biscoitos, salgadinhos, bebidas e companhia.

Em excesso (e com pouca fiscalização) os agrotóxicos podem fazer mal à saúde tanto de quem os consome quanto de quem os manipula. Segundo o Inca, o consumo frequente de água e alimentos contaminados pelos defensivos agrícolas pode favorecer o desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Quem trabalha diretamente com esses compostos está sob maior risco.

Nos últimos três anos, a situação piorou. Utilizando brechas na lei, foram aprovados cerca de 1.500 novos produtos. “Hoje libera-se mais de um agrotóxico por dia. Por que é preciso ter mais celeridade? Esta é a primeira questão a ser levantada sobre esse projeto”, questiona José Pedro Santiago, engenheiro agrônomo e conselheiro do Instituto Brasil Orgânico.

A fiscalização também foi abandonada. Há dois anos, deixou de ser publicado o relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), criado em 2001 com o objetivo de avaliar continuamente os níveis de resíduos químicos nos vegetais que chegam à mesa do consumidor.

O último documento foi divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2020. Na época, entraram na análise 4 616 amostras de 14 alimentos. Desse total, 23% foram consideradas insatisfatórias, pois ultrapassavam o limite máximo permitido de resíduos.

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Principais polêmicas do projeto

1. Agrotóxicos passam a ser chamados de pesticidas

O termo agrotóxico foi citado pelo engenheiro agrônomo Adilson Paschoal no livro “Pragas, agrotóxicos e a crise ambiente – problemas e soluções”, de 1979 e é usado pela Constituição Federal para categorizar esses produtos.

“Fazer a mudança não é apenas um eufemismo, é um equívoco. O uso do termo chama a atenção para o que é real. Os pesticidas, como diz o nome, matam pestes. Os agrotóxicos até podem eliminar as pragas, mas também intoxicam os seres humanos”, explica Rafael Arantes, nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A troca de nomes tira a carga de alerta que é importante para toda a cadeia que utiliza ou tem contato com esses produtos químicos, avaliam especialistas.

+ Leia também: Alimentos orgânicos contra o câncer: vale a pena investir?

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2. Aprovação unilateral

Atualmente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) dá o aval sobre a eficácia do defensivo. No entanto, dado o grau de complexidade da categoria, sempre fizeram parte da análise o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que mede os impactos ambientais, e o Ministério da Saúde, que controla a quantidade de resíduos tóxicos que vão parar na mesa (e na torneira) da população.

Se as mudanças na lei forem sancionadas, o MAPA poderá liberar um produto no mercado sem o consentimento das outras áreas. Para renovação de uso, ainda, o Ibama e o Ministério da Saúde seriam apenas “consultados”.

3. Sem cancelamento de registros

O monitoramento das consequências do uso desses produtos químicos é sempre avaliada por organizações competentes. Por isso, há hoje a possibilidade de se pedir o banimento de agrotóxicos considerados perigosos — mesmo com um certo grau de dificuldade.

A legislação atual permite que entidades representantes de trabalhadores, partidos políticos e outras associações regionais façam esses questionamentos. Com a nova lei, os pedidos ficarão nas mãos de organizações internacionais.

4. Registros temporários

O que pode parecer pontual, na verdade, abre brecha para que esses compostos circulem por meses sem antes passarem por uma análise técnica aprofundada.

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“Esse trecho da lei que dá celeridade aos registros pode criar uma linha de produção de autorizações temporárias. O texto permite, por exemplo, que os fabricantes usem compostos similares já aprovados para dizer que seu novo produto cumpre as exigências”, avalia Arantes.

Ou seja, há a possibilidade de incluir substâncias que ainda não foram estudadas com rigor pelas autoridades. Outro trecho do texto permite ainda que a autorização seja postergada por dois meses. Assim, o temporário pode virar permanente.

“Nesse meio tempo, esses produtos já afetaram nossos rios, campos, o estrago já estará feito”, conclui Santiago.

5. Livre exportação

Pela nova lei, se um agrotóxico for produzido só para exportação — sem a intenção de venda no Brasil — ele não precisa ser registrado por aqui.

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Além de o defensivo ser um risco para o meio ambiente de outro país, há a questão de que trabalhadores brasileiros farão parte da cadeia de produção e terão contato direto com essas substâncias.

6. Novas misturas vão entrar no mercado

Hoje, para comprar um agrotóxico, é preciso ter uma receita agronômica (documento com a prescrição de uso dos defensivos agrícolas).

A nova lei tem um item que pode driblar a obrigatoriedade. “O texto mantém a necessidade da recomendação do agrônomo, mas exclui ‘casos excepcionais’ da obrigação, o que abre brecha para muita coisa. Quais seriam esses casos?”, questiona Santiago.

7. Propaganda livre

Como nos anúncios de cigarros e bebidas alcoólicas, as propagandas que divulgam agrotóxicos devem vir com avisos sobre seus componentes e riscos à saúde. Elas também são permitidas apenas em veículos de comunicação dirigidos a profissionais da área.

A ideia do PL é retirar a maior parte dessas restrições.

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Qual a solução?

Abolir os agrotóxicos não é uma opção viável. “Se alguém proibir agroquímicos, a produção para. É como dizer que a partir de amanhã só poderão circular carros elétricos, sem a estrutura necessária para isso”, explica Santiago.

O caminho, então, seria investir na fiscalização, na regulação e em novos modelos de cultivo que reduzam a necessidade desses produtos.

“Há exemplos, inclusive de produção animal e vegetal em grande escala, que não dependem de agrotóxico, nem de adubo químico, como a permacultura e o sistema agroflorestal”, esclarece o engenheiro.

Na contramão da lei em questão, está parado no Congresso o PL 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). “Os dois estavam em debate, até que este foi abandonado, e o PL conhecido como ‘do veneno’ passou a ser prioridade”, relata Arantes, citando o apelido dado por críticos ao projeto.

A proposta de retomar esse outro texto faz parte do “Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida”, organizado pela Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida (Abrasco), com apoio da Fiocruz. O documento possui 25 notas técnicas de instituições que reprovam os termos da nova lei.

O que o consumidor pode fazer?

Posicionar-se sobre o tema diretamente aos políticos do Congresso e pelas redes sociais é um caminho de mobilização.

No dia a dia, o consumidor pode buscar os alimentos orgânicos, que são produzidos sem defensivos ou fertilizantes sintéticos. Para ajudar, o Idec produziu um mapa de feiras orgânicas brasileiras.

Segundo Santiago, esse tipo de produtor só cresce no Brasil e se multiplica a cada ano. “Há mais de 25 mil produtores orgânicos registrados no Ministério da Cultura”, aponta o engenheiro.

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