Recentemente, um artigo de opinião publicado no periódico científico JAMA (Journal of the American Medical Association) aqueceu a discussão sobre a dieta cetogênica. Assinado por médicos da Escola de Medicina de Nova York, nos Estados Unidos, o texto questiona o papel dessa alimentação — marcada por uma redução drástica no consumo de carboidratos e um aumento no de gorduras e proteínas — para tratar a obesidade e o diabetes.
Esse plano alimentar, já usado para tratar alguns tipos de epilepsia, caiu nas graças de certos indivíduos em busca da perda de peso. Embora o corte de carboidratos seja uma prática relativamente frequente (e controversa) em regimes de emagrecimento, na dieta cetogênica essa restrição é mais acentuada. Nela, a concentração do nutriente não passa de 10% das calorias diárias. Em uma alimentação balanceada, o mesmo número fica em cerca de 50% — cinco vezes mais, portanto.
Para quem tem diabetes tipo 2 e precisa controlar os níveis de glicose em circulação, parece uma saída lógica praticamente excluir do prato as fontes de carboidrato. Ora, essa substância se converte facilmente em glicose no organismo.
Já para quem deseja afinar a cintura, ficar longe de um nutriente que concentra calorias também parece fazer sentido, não? E alguns estudos realmente sugerem que a dieta cetogênica está associada a perda de peso e redução na glicemia.
Mas o que os autores daquele artigo questionam é se esse padrão de alimentação em si que promove tais benefícios. “Qualquer plano é efetivo quando reduz a ingestão de calorias. A cetogênica não é diferente. O que devemos perguntar é se ela é sustentável e promove saúde em longo prazo”, ponderam os experts no texto.
Dieta cetogênica para o diabetes
De acordo com o artigo americano, as evidências sobre o assunto não são definitivas. O estudo mais robusto, do ano passado, de fato mostra um grau considerável de remissão do diabetes tipo 2 em pessoas que reduziram o consumo de carboidratos durante um ano. Algumas inclusive pararam de usar insulina. Contudo, tais descobertas podem estar enviesadas.
“Era um estudo aberto, sem um grupo adotando outra estratégia para servir de comparação, e que reuniu indivíduos interessados em fazer a dieta”, comenta Bruno Halpern, endocrinologista e coordenador do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Ou seja, as pessoas já estavam dispostas a aderir a um programa de restrição calórica — e o método não foi comparado com outros regimes alimentares.
No geral, o que parece importar mais para controlar a doença é justamente comer menos calorias do que antes. E, claro, maneirar especificamente em fontes de carboidrato refinado (arroz, massas e pães brancos, refrigerantes, doces etc), que fazem a glicemia disparar mais rapidamente. Ainda assim, esses itens não estão proibidos.
“A dieta cetogênica pode ser uma opção viável para o emagrecimento rápido, que controle o diabetes logo após o diagnóstico. Mas, se ela é interrompida, há um risco de o peso voltar a subir e a glicemia descompensar”, destaca Halpern.
E para emagrecer no longo prazo, ela funciona?
A ideia é que, ao cortar os carboidratos, o corpo passe a usar outras fontes de energia, especialmente as gorduras acumuladas no tecido adiposo. Aliás, esse processo de quebra de gordura para fabricar glicose gera os chamados corpos cetônicos, que aplacariam a fome. São essas moléculas que fizeram esse padrão alimentar ganhar o nome de “cetogênico”.
Mas a eficácia dessa dieta para o emagrecimento é outro ponto abordado no artigo americano. Seus autores citam uma revisão de 13 pesquisas com acompanhamento mínimo de um ano que comparou a eficácia da cetogênica com outras dietas. Resultado: a restrição severa de carboidratos até gerou uma maior perda de peso, mas que não passou de um quilo.
“Essa variação, apesar de significativa do ponto de vista estatístico, pode não ser relevante para a prática clínica”, pontuam os especialistas no texto publicado no JAMA.
Ou seja, é provável que a cetogênica emagreça mais em virtude da redução calórica acentuada. Só que, depois de um tempo, a balança tende a estacionar.
“Isso ocorre em qualquer dieta restritiva, porque o organismo entende que há falta de alimentos no ambiente e passa a economizar calorias”, destaca Mario Kedhi Carra, endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, a Abeso.
Além disso tudo, o mais desafiador talvez seja sustentar um padrão alimentar cetogênico no médio e longo prazo. Veja: esse tipo de cardápio praticamente elimina arroz, macarrão, pão, batata, diversas frutas e outros alimentos comuns. Esse ataque a vários grupos alimentares nos leva aos efeitos negativos da dieta cetogênica.
Riscos em longo prazo
Por um lado, praticamente todos os especialistas concordam que carboidratos refinados devem ser ingeridos com muita moderação pelo elo com o ganho de peso e outros problemas. Por outro, uma restrição tão severa de carboidratos em geral costuma vir acompanhada da exclusão de itens que fazem bem para a saúde, como os cereais integrais e as frutas.
Aí, o corpo pode sentir falta de fibras, vitaminas e minerais.
O teor de gorduras ingeridas — que chega a 90% — também merece ser debatido. Para atingir esse patamar, frequentemente é preciso comer mais gorduras saturadas, que aumentam as taxas de colesterol LDL e estão associadas a infarto e AVC.
“Por isso, qualquer intervenção do tipo deve ser sempre feita sob orientação médica e nutricional, e só em situações específicas”, destaca Carra.
Para os diabéticos, isso é ainda mais importante. Se o aumento da glicose no sangue faz mal, sua queda brusca também é perigosa, disparando quadros de hipoglicemia. Logo, alterações no cardápio demandam uma supervisão dos profissionais, inclusive para ajustar as doses dos medicamentos.
Ainda não há estudos conhecidos analisando a mortalidade e o risco cardiovascular de quem adere à dieta cetogênica, mas o artigo do JAMA cita outras reações adversas já relatadas na literatura científica: constipação, halitose, dores de cabeça, fraturas ósseas, diarreia e “múltiplas deficiências de vitaminas e minerais”.
Moral da história
“Creio que o objetivo desse artigo é alertar as pessoas de que a dieta cetogênica não é uma solução para tudo”, comenta Halpern.
Carra completa o raciocínio: “Não sou contra esse plano alimentar. Eu creio que ele possa ter suas indicações, mas é algo que exige cuidado e estratégias de manutenção para quando a restrição acabar”, palpita Carra.
Resumindo, pode ser que esse regime funcione para uma ou outra pessoa (principalmente nos primeiros meses), mas não dá para dizer que ele supera qualquer outra intervenção nutricional que resulte em déficits calóricos quando o assunto é o combate ao diabetes tipo 2 e à obesidade. Assim como não dá para bater o martelo sobre sua segurança em longo prazo.
“Embora tenha ganhando atenção nesse departamento nos últimos anos, a evidência suportando seu uso atual é limitada, e os potenciais riscos da dieta são reais”, concluem os autores americanos.