Autismo: conhecimento em construção
Edição de abril de VEJA SAÚDE examina a explosão de diagnósticos de autismo em crianças e adultos e as novas compreensões sobre o espectro
Dia desses, um amigo me ligou e disse que tinha uma novidade para contar. “Fui diagnosticado com autismo”, disparou. Confesso que, na mesma hora, minhas antenas de desconfiança foram acionadas. “Sério mesmo?”, eu respondi, mas no íntimo estava trucando o diagnóstico.
Não é possível, pensei. Esse cara de quase 40 anos fez faculdade, trabalha, namora… O que o autismo tem a ver com ele?
Coincidência das grandes, estávamos começando a delinear e a apurar a reportagem de capa desta edição, motivada por estudos que revelam um crescimento do transtorno do espectro autista entre crianças, adolescentes e adultos mundo afora.
Ainda assim, naquele momento, um diabinho soprava ao pé do ouvido: “Meu amigo é mais um desses pacientes rotulados de autista. Uma palavra ao vento para ele lidar com seus desafios e frustrações”.
Depois de ler a respeito, ouvir quem entende e me debruçar na matéria elaborada, com rigor e sensibilidade, pela jornalista Ingrid Luisa, percebi que eu estava cometendo um erro, mesmo que não o tivesse vocalizado. Estava pecando por falta de conhecimento e preconceito.
O espectro do autismo é um universo altamente complexo — como tudo que envolve a neurociência e a mente humana — e talvez em expansão.
Desde a primeira descrição formal do quadro, há 80 anos, muitos conceitos e interpretações foram propostos e reformulados. A informação ganhou as velhas e novas mídias, profissionais compreenderam mais e se atualizaram, e mais gente foi diagnosticada.
E essa história, que nos faz meditar sobre ideias como normalidade e diversidade, está aí, na boca do povo e nos feeds das redes sociais. Será que todos somos um pouco autistas?, já vi inclusive pesquisadores indagarem, apesar das críticas a essa pergunta.
Como é possível estar dentro de um espectro que engloba desde pessoas com pequenas limitações de interação social e alta aptidão para certas tarefas até crianças com deficiências intelectuais e motoras graves?
São questões para as quais não tenho resposta, mas os especialistas e um número cada vez maior de pessoas com algum grau de autismo, sim. E esse debate todo só me (re)injetou humildade — para ouvir, aprender, refletir e repensar.
Se o pai da filosofia ocidental já dizia “Só sei que nada sei”, quem sou eu para cravar se um sujeito pode ou não ser enquadrado como autista? O conhecimento e a ciência estão sempre em construção.
Porém, há uma certeza que paira sobre o autismo e tantas outras condições que vira e mexe ganham evidência: devemos escutar, buscar entender e respeitar quem convive com elas.
Prescrições do editor
Dois livros e um filme para reimaginar formas de lidar com o mundo:
Maneiras de Ser
Autor: James Bridle
Tradução: Daniel Galera
Editora: Todavia
Páginas: 496
A inteligência não é um monopólio humano. Eis uma rica reflexão sobre como animais, plantas e máquinas podem nos ajudar a viver e a criar sem destruir as coisas.
Maneiras de Ser (Todavia)
A Cultura do Narcisismo
Autor: Chistopher Lasch
Tradução: Bruno Cobalchini
Editora: Fósforo
Páginas: 416
Uma análise implacável do culto à performance e à imagem muito tempo antes de as redes sociais dominarem e distorcerem a cena.
A Cultura do Narcisismo (Fósforo)
Biocêntricos
Direção: Fernanda Heinz Figueiredo e Ataliba Benaim
Produção: Aiuê
Onde ver: Cinema e no canal de TV GloboNews
Duração: 1h48min
Nas pegadas da bióloga que cunhou a área da biomimética, um filme para entender como a natureza ensina e inspira soluções.