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Antes do suicídio: o que dizer e o não dizer para alguém em risco

A falta de conhecimento é um empecilho para quem deseja ajudar pessoas próximas em sofrimento psicológico. E a escolha de palavras faz toda a diferença

Por Lucas Rocha
Atualizado em 22 set 2023, 11h53 - Publicado em 22 set 2023, 11h04
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  • O suicídio é considerado um problema de saúde pública complexo e multifacetado, que pode atingir pessoas de todas as idades e classes sociais.

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    A cada ano, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, são estimados 14 mil casos anuais.

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    A prevenção requer intervenções de diferentes setores da sociedade, incluindo profissionais de saúde, família e amigos e comunidades.

    + Leia também: Setembro Amarelo: mês de prevenção ao suicídio

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    “Não dá para reduzir o suicídio puramente a uma questão individual, ele é atravessado por fatores sociais, políticos, econômicos e ambientais”, destaca o psicólogo Maycon Rodrigo Torres, membro do Laboratório de Psicanálise e Laço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de psicologia na Faculdade Maria Thereza (Famath), em Niterói/RJ.

    Cada caso é único, e o suicídio pode acontecer de maneira abrupta. Entretanto, em boa parte das vezes, há pistas que antecedem o ato.

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    Nesse contexto, conhecer os indícios que indicam a necessidade de socorro especializado é importante para de fato ajudar pessoas em situação crítica. Além disso, a escolha das palavras é parte essencial do apoio.

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    + Leia também: Documentário do GNT aborda suicídio sob a ótica “dos que ficam”

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    Sinais de alerta

    Especialistas em saúde mental avaliam que é difícil prever quando uma pessoa pode vir a cometer suicídio. No entanto, quem está em sofrimento apresenta sinais que acendem o sinal de alerta – sobretudo para aqueles que estão em volta.

    A mudança brusca de comportamento é um dos primeiros indicativos de que algo não vai bem.

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    O isolamento social, que inclui atitudes como uma postura mais retraída, a recusa de ligações telefônicas e o afastamento das redes sociais é o mais comum, mas não é o único a ser observado.

    “Diferentemente do que as pessoas costumam pensar, a alteração comportamental não precisa ser para um padrão mais depressivo. A irritação incomum ou agressividade sem causa aparente também são pontos de atenção”, afirma Torres.

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    Setembro Amarelo é a campanha de prevenção ao suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) (Foto: Freepik/Divulgação)

    As nuances de comportamento potencialmente suicida também estão presentes no discurso.

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    Uma pessoa em risco tende a falar sobre morte com frequência, revelar falta de esperança, além de demonstrar culpa excessiva ou uma visão negativa e sem perspectivas para o futuro.

    Essa manifestação pode ser feita verbalmente ou de forma mais sutil, como em desenhos, por exemplo.

    Para alguns, os indicativos são um pouco mais evidentes em frases como “eu preferia não existir”, “queria estar morto” ou “um dia vou desaparecer”. Apesar de bastante claro, o comportamento pode ser confundido como algo passageiro, sendo então desconsiderado.

    Lembrando que toda comunicação suicida deve ser levada a sério. Não se trata de manipulação, e sim de um aviso de que algo não vai bem.

    + Leia também: Aumento da depressão e ideação suicida entre jovens: onde estamos errando?

    O que aumenta o risco de suicídio

    Como explicamos, o suicídio é uma questão multifatorial. “Os estudos buscam, por exemplo, entender questões como a correlação entre o uso de redes sociais e a tentativa de suicídio, ou o quanto determinados usos de poluentes, agrotóxicos e outras substâncias podem influenciar no risco, entre outros fenômenos”, completa Torres.

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    A relação mais conhecida pela ciência, contudo, é entre o suicídio e o adoecimento psicológico. “Qualquer transtorno mental que se agrava cada vez mais, trazendo uma angústia extrema e sofrimento ao indivíduo, pode levar ao suicídio”, afirma o médico psiquiatra Leonardo Sodré, professor da Universidade de Brasília (UnB).

    Transtornos mentais, como depressão, ansiedade, bipolaridade e esquizofrenia, estão presentes em grande parte dos casos.

    Aumentam o risco questões econômicas, como perda de emprego, dificuldade para sustentar a família e pressões no ambiente de trabalho. Fatores como a discriminação racial, por orientação sexual e identidade de gênero também entram na lista.

    A perda de uma pessoa querida, o fim de um relacionamento e a dificuldade para vivenciar e atravessar o luto devem ser levados em consideração, em especial quando somados a outros fatores que tornam o indivíduo vulnerável.

    Qualquer pessoa pode pensar em suicídio em algum momento da vida. Nem sempre chega a ser um risco, faz parte de nossos questionamentos existenciais. Agora, se o pensamento é frequente, incômodo e a morte passa a ser vista como uma solução, o perigo é aumentado”, afirma a psicóloga Karen Scavacini, da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps).

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    O que falar e como falar

    O apoio da família e da comunidade e o acesso facilitado aos cuidados de saúde podem diminuir pensamentos e comportamentos suicidas.

    O primeiro passo para uma conversa é encontrar um ambiente calmo, preferencialmente aconchegante e com privacidade, sem interferências externas ou possibilidades de interrupção.

    Nesse momento, pode ser difícil escolher as palavras mais adequadas. A cartilha do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, disponível online, explica como fazer uma aproximação.

    O documento sugere começar o diálogo com questões mais amplas e aprofundar o tema dependendo das respostas da pessoa. Se estiver com dúvidas quanto a segurança ou as intenções da pessoa, pergunte.

    “Não tenha medo de perguntar ou de usar a palavra suicídio, você não irá colocar ideias na cabeça da pessoa ao falar abertamente sobre o tema”, orienta o texto.

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    Além das frases em si, a forma de se dirigir ao outro também é importante. O tom da conversa deve ser empático e calmo, como explica o professor da UnB Leonardo Sodré.

    “Pode-se introduzir o assunto falando sobre percepções do comportamento: ‘estou vendo que você está mais triste, isolado, calado. Percebo que você não está bem, quer conversar sobre isso?’. É uma forma de abrir espaço para que a pessoa se sinta à vontade para falar sobre o que está sentindo”, detalha.

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    Apoio da família e dos amigos pode diminuir pensamentos e comportamentos suicidas (Foto: rawpixel.com/Freepik/Divulgação)

    O que evitar dizer

    A falta de conhecimento é um empecilho para quem deseja ajudar pessoas em sofrimento psicológico. Ideias comuns, mas equivocadas, sobre o suicídio são alguns exemplos.

    Nesse sentido, algumas frases (e mitos!) contribuem para a manutenção do estigma sobre o problema e devem ser evitadas:

    As ideias anteriores podem ser substituídas pelos entendimentos a seguir:

    Durante a conversa, também é preciso tomar cuidado para não invalidar o sofrimento da pessoa, segundo o psicólogo Maycon Rodrigo Torres.

    “Discursos com frases do tipo ‘isso é bobagem’, ‘pensa em outra coisa’, ‘existem pessoas com problemas piores do que o seu’ são extremamente prejudiciais porque anulam o que o indivíduo está sentindo. Deve ser uma abordagem franca, direta e que reconheça que o sofrimento dela é legítimo”, diz Torres.

    O amparo na busca por ajuda também deve ser bem planejado.

    Torres avalia que o ideal é não marcar consultas com terapeutas ou psiquiatras sem o envolvimento e consentimento da pessoa. Embora a intenção seja boa, a atitude pode ser percebida pelo outro como uma forma de invasão ou invalidação.

    “Essa situação é delicada, por isso, é importante que se faça o processo junto com a pessoa, na forma de um convite ou sugestão: ‘Por que a gente não marca uma consulta, uma avaliação com profissional?’. A ideia é se mostrar presente, mas tomar decisões de maneira conjunta”, diz o psicólogo.

    “Obviamente, quando há um risco iminente ou já aconteceu a tentativa de suicídio podemos fazer uso dos contatos de emergência, como SAMU, ou contatar o profissional responsável pelo acompanhamento, se a pessoa tiver”, completa Torres.

    Onde encontrar apoio

    No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece ajuda durante 24 horas. O contato pode ser feito pelo telefone 188, ligação gratuita, ou via chat pelo site.

    “A essência do nosso atendimento é estabelecer um momento de acolhimento e de confiança que vai desde o primeiro segundo, quando a pessoa liga”, conta Carlos Correia, voluntário do CVV há 31 anos, de São Caetano do Sul.

    “O indivíduo que entra em contato tem que se encher de coragem e vemos isso como um pedido de socorro. Às vezes, é uma última tentativa de estabelecer uma relação com o mundo”, completa Correia.

    O atendimento acontece de forma anônima e sigilosa, por pessoas treinadas para realizar apoio emocional e prevenção do suicídio.

    “A conversa não deve minimizar o sofrimento do outro, indicar soluções ou disputar com a dor do outro, com frases como ‘eu já passei por coisa pior’, que são comuns de serem ditas a pessoas nessa situação”, diz Correia.

    Fundado em São Paulo, em 1962, o CVV é uma associação sem fins lucrativos, reconhecida como de Utilidade Pública Federal, desde 1973.

    Em todos os canais, são realizados mais de 3 milhões de atendimentos anuais, por aproximadamente 4.000 voluntários, localizados em 24 estados e no Distrito Federal.

    O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento gratuito a pessoas com intenso sofrimento psíquico nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

    As unidades são classificadas de acordo com o perfil do usuário e a modalidade do serviço. A lista dos centros, dividida por cidade e estado, pode ser consultada online aqui.

    Idealizado pela psicóloga Karen Scavacini, o Mapa da Saúde Mental permite a consulta de serviços de atendimento psicológico gratuito, voluntário ou com preços acessíveis no Brasil.

    “A prevenção pode ter muitas formas, incluindo a promoção da saúde mental, a educação socioemocional, o cuidado aos enlutados e a intervenção nos transtornos mentais”, conclui Karen.

    Se livrar do preconceito e julgamento, conversar abertamente e de forma empática são outras formas de ajudar.

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