Com mais de 150 atividades científicas, o Congresso Brasileiro de Psiquiatria (CBP) completou 40 anos em 2023.
O evento, promovido pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), entre 18 e 21 de outubro, na cidade de Salvador, contou com a participação de centenas de médicos, estudantes e jornalistas.
Entre os temas discutidos, o acesso aos cuidados em saúde mental, novidades em diagnóstico e tratamento de transtornos como ansiedade, depressão e bipolaridade, além de avanços da neurociência.
VEJA SAÚDE conversou com o presidente da ABP, Antônio Geraldo, sobre os destaques do evento e outros assuntos quentes da psiquiatria.
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VEJA SAÚDE: A ABP divulgou recentemente nota conjunta com o Conselho Federal de Medicina (CFM) reiterando posição contrária à descriminalização da maconha. Por quê?
Antônio Geraldo: O que está se discutindo no Supremo Tribunal Federal é a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, a Lei de Drogas. Se ele for considerado inconstitucional, então as pessoas poderão carregar consigo 60 gramas de maconha, que é o que está ganhando até agora.
Na minha avaliação, enquanto presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, não há sentido. Sessenta gramas equivalem a 200 cigarros de maconha.
Alguém carrega 200 cigarros para fumar? Nem de cigarro comum. Nossa preocupação é que isso gere um aumento das doenças mentais no Brasil.
Temos que investir em promoção de saúde, prevenção primária, secundária e terciária.
Veja o caso do tabagismo, por exemplo: 50% da população brasileira fumava. O que fizemos foi buscar maneiras de dificultar que as pessoas fumassem. Então, reduzimos a taxa de fumantes para 10%. E queremos baixar ainda mais esse número.
Em 2023, tivemos mudanças de governo e na liderança do Ministério da Saúde. Como tem sido a relação com a pasta?
A ABP se posiciona para fazer política de Estado, que seja municipal, estadual e federal.
Acreditamos que no âmbito federal eles ainda não tomaram conhecimento do que está acontecendo em relação às políticas públicas em saúde mental, visto que ainda não nos chamaram para falar sobre isso.
O Brasil não está um bom exemplo de assistência em saúde mental.
Não temos um sistema ambulatorial pronto, o que é péssimo. O sistema ‘CAPScêntrico’ está aí há 30 anos, só existe no Brasil, e não disse a que veio. O CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] atende apenas 1% da população com surto de psicose.
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Mas e TDAH, depressão, ansiedade, pânico e transtornos alimentares?
Nós não temos nenhum antidepressivo, estabilizador de humor ou medicamento para tratar TDAH na Farmácia Popular. Porque o estigma estrutural é tão grande, e já vem de anos, que não se preocupam com esses quadros.
Mesmo sabendo que 5 das 10 causas que mais afastam do trabalho são doenças mentais.
Então, buscamos diálogo e queremos ajudar a implementar políticas públicas baseadas em evidências científicas.
A ABP sempre ofertou e vai continuar disponibilizando diretrizes para o tratamento de doenças mentais no Brasil.
Fazemos isso há 13 anos, mas não somos ouvidos. Queremos a possibilidade de fazer a mesma assistência de primeiro mundo no SUS que já fazemos no contexto privado.
Na abertura do congresso, você reforçou que é importante se referir às condições mentais como ‘doenças’ e não ‘transtornos’. Por quê?
Qual a área da medicina que se fala em ‘transtorno’? Nenhuma. Só na psiquiatria.
Por quê? É doença e tem que ser entendido como doença. É tratado por quem? Por nós, médicos. E médico trata o quê? Doença.
Não seria uma forma de evitar o estigma?
Não faz nenhum sentido. Quando se quer mudar o nome, é porque não se aceita.
E tem um detalhe: o Estado é obrigado a cuidar do que é doença, está na Constituição. Transtornos, não.
Eu sou médico, fui treinado para atender indivíduos que padecem de doenças mentais.
Toda essa questão me parece preconceituosa. Quando se joga para debaixo do tapete ou se quer descaracterizar que é doença, é porque não há vontade de ofertar tratamento.
O que falta para que o atendimento em saúde mental do SUS seja semelhante ao do contexto privado em termos de qualidade?
Políticas públicas baseadas em evidências, para deixar que o profissional faça no sistema público o mesmo que ele oferta no sistema privado, só isso.
Quem tem condições de pagar está sendo atendido e está tendo psiquiatria de primeiro mundo.
Temos 3 mil CAPS no Brasil, mas temos quase 6 mil municípios. E, na maioria das cidades, há médicos, mas não psiquiatras. E assim vai se negando a dar assistência.
Não temos a política pública adequada, há um desrespeito com a pessoa que precisa de atendimento.
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A comercialização de antidepressivos e estabilizadores de humor cresce a cada ano no Brasil, de acordo com dados do Conselho Federal de Farmácia. Há um aumento da prescrição de medicamentos por psiquiatras?
Há um desconhecimento associado a um preconceito muito grande.
Nós temos no Brasil cerca de 70 milhões de pessoas com algum tipo de transtorno mental. Você acha que elas têm acesso ao tratamento? Não tem.
A última pesquisa Vigitel diz que 11,3% de pessoas têm depressão, não vendemos antidepressivos para todo esse grupo de pessoas, elas estão sem tratamento. Há 9,3% de pessoas com transtorno de ansiedade, não temos esse consumo de medicamentos, até mesmo por que o próprio SUS não oferta, as Farmácias Populares não tem.
Nós fazemos uso racional de medicamentos. E treinamos os profissionais para façam o mesmo, porque isso é importantíssimo para o nosso futuro.
Ensinamos o paciente a não deixar de tomar o remédio porque ele precisa e a não tomar em excesso porque pode ser prejudicial.
Hoje, trabalhamos muito mais com mudanças na forma de viver aliadas a psicoterapias e psicoeducação, com orientações para que as pessoas possam entender o que está prejudicando o funcionamento mental e o que fazer para melhorar.