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Varíola dos macacos: especialistas alertam para despreparo do Brasil

Com a primeira morte e casos confirmados em crianças, situação deve piorar nas próximas semanas. É preciso agir agora para não repetir erros do passado

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 1 ago 2022, 18h54 - Publicado em 1 ago 2022, 12h38
monkeypox
Vírus monkeypox tem tempo de incubação longo e é transmitido por contato físico próximo.  (Wikipedia Commons / NIAID (Governo dos Estados Unidos)/Divulgação)
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Recentemente, o Brasil ultrapassou mil casos confirmados de varíola dos macacos, doença transmitida pelo vírus monkeypox. Também foram confirmadas uma morte, de um homem imunossuprimido de 41 anos, e infecções em duas crianças. 

Além disso, em pelo menos quatro estados já há transmissão comunitária – quando não é possível identificar mais os “pacientes zero” da doença. São eles: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Distrito Federal.  

Enquanto os números devem continuar subindo rapidamente, nós estamos atrasados na tomada de medidas para conter o avanço do patógeno, de acordo com especialistas entrevistados. O primeiro registro da infecção foi feito em 9 de junho, e atualmente somos o oitavo país com mais notificações no mundo. 

“O cenário no Brasil é preocupante. Se a população não for devidamente orientada e os profissionais, treinados para o devido reconhecimento e isolamento precoce dos casos, a situação pode piorar nas próximas semanas”, alerta o infectologista Leonardo Weissmann, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). 

Repetição de erros

Quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, até houve uma tentativa de resposta do Ministério da Saúde, mas ela acabou esbarrando na morosidade do governo federal e das movimentações políticas. Assim, testes, vacinas e medicamentos demoraram para chegar por aqui. 

+ Leia também: Especialistas dão notas sobre a resposta do Brasil ao coronavírus

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A comunicação sobre prevenção de contágio e treinamento de profissionais de saúde também falhou. Não à toa, estima-se que até 400 mil mortes seriam evitadas, caso tivéssemos respondido adequadamente ao surgimento do coronavírus. 

“Estamos cometendo os mesmos erros, porque o governo adotou uma conduta expectante, na esperança de que o surto pudesse ser controlado na Europa. Mas a gente já sabia que, no mundo globalizado que vivemos, seria uma questão de tempo para a doença chegar aqui”, aponta a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santos (Ufes)

O que é preciso fazer agora 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a varíola dos macacos uma emergência de saúde pública global. Não é a mesma coisa que uma declaração de pandemia, mas é quase isso. A medida é considerada importante, pois norteia a ação dos países. 

Só que as autoridades locais também precisam tomar atitudes semelhantes. “Espero que em breve o Brasil declare a Emergência de Saúde Pública de Interesse Nacional (ESPIN), uma legislação sanitária que facilite a contratação de pessoas, o estabelecimento de uma rede diagnóstica e a compra de vacinas e medicamentos”, aponta Ethel.

“Enquanto outros países já iniciaram a vacinação e possuem antivirais reposicionados para casos mais graves, não temos nada disso”, continua a epidemiologista. “Muitas pessoas julgam o decreto como mais uma burocracia, mas deveríamos ver como algo positivo, pois significa mais agilidade para controlar a doença”. 

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Entre as ações a serem priorizadas, além da busca por vacinas, estão a vigilância de casos suspeitos, ampliação da testagem, orientação da população e isolamento precoce de casos confirmados para quebrar a cadeia de transmissão de vírus, elenca Weissmann. Ou seja, um esquema parecido ao que deveria ter ocorrido com o coronavírus. 

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Depois de desmanchar a sala de situação para varíola dos macacos (que foi instalada no fim de maio), o Ministério da Saúde anunciou recentemente um comitê de emergência com técnicos de diversas áreas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também criou seu próprio comitê, para avaliar remédios e imunizantes. 

“Além disso, é necessário investimento em pesquisa para entender o vírus e suas manifestações, e, no melhor dos casos, produzir vacinas aqui, nas instituições que já têm competência técnica para isso, como o Instituto Butantan e a Fiocruz”, aponta Ethel. 

O nome precisa mudar

Outro ponto importante é rever o nome da enfermidade, que pode levar a atos violentos contra os macacos e estigmatizar os infectados. Para os especialistas, a OMS errou em declarar o estado de emergência sem pensar nisso, contrariando sua própria recomendação de não associar doenças a lugares ou espécies específicas. 

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“Macacos não têm nada a ver com isso, apenas podem ser vítimas como nós”, aponta Ethel. Contudo, ainda não há substitutos para o nome. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), enquanto isso, sugere usar o uso do nome do vírus, monkeypox, derivado da palavra em inglês para o mesmo animal. 

Pode até dar uma disfarçada, mas não resolve o problema. De qualquer modo, fica o alerta: devemos deixar os macacos em paz. É bom lembrar que os principais vetores dessa doença, na verdade, são os roedores, e que o surto atual envolve humanos, não animais. 

+ Leia também: Varíola dos macacos? Cada macaco no seu galho!

Quando devemos ter vacinas e medicamentos? 

Lá fora, antivirais estudados contra a varíola tradicional, como o tecovirimat, estão sendo recomendados para pessoas em maior risco de quadros severos, como os indivíduos imunocomprometidos

Mas, como aprendemos na pandemia de Covid-19, eles devem passar por mais testes antes de serem utilizados em larga escala. 

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Sobre as vacinas, atualmente há duas fórmulas disponíveis. Uma norte-americana, a ACAM2000, para a varíola tradicional, licenciada em 2007, e outra de 2019, produzida por uma indústria farmacêutica dinamarquesa e aprovada na União Europeia, Canadá e Estados Unidos.

Essa segunda, chamada de Jynneos nos EUA, também foi originalmente pensada para a varíola, mas sua formulação, considerada mais segura, fez com que ela recebesse a aprovação específica para a varíola dos macacos. 

O Ministério da Saúde anunciou recentemente que tem previsão de receber 50 mil doses deste imunizante a partir de setembro, por meio da Organização Panamericana de Saúde (Opas). A pasta também anunciou que pretende adquirir o tecovirimat, ainda sem informações sobre quantidades e prazo de entrega.

Doses contra a varíola tradicional poderiam oferecer proteção cruzada, como parece acontecer em quem foi vacinado no passado. O problema é que nenhuma dessas vacinas está amplamente disponível e a capacidade de fabricação é pequena. “Não se sabe quando poderão chegar aqui”, lamenta Weismann. 

Como são vacinas de vírus vivo atenuado, a aplicação em massa não é recomendada. “Elas deverão ser usadas somente em profissionais de saúde em alto risco de exposição e indivíduos que tiveram contato físico direto com material contaminado e são suscetíveis a ter versões graves da doença”, explica o infectologista. 

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Proteção das populações em maior risco 

Até agora, a varíola dos macacos tem acometido mais homens jovens que fazem sexo com outros homens,  que são geralmente saudáveis. Portanto, poucas mortes ou complicações foram registradas. 

Mas, como toda infecção, é questão de tempo para que a doença passe a circular entre outros grupos. Com base na experiência africana, sabe-se que o vírus, ao atingir gestantes, pode levar a abortos espontâneos, por exemplo. 

A primeira morte no Brasil também chama a atenção para a necessidade de resguardar os imunocomprometidos, seja por doenças ou tratamentos, como o câncer. “Além de vaciná-los, caso seja necessário, a sociedade precisa ser orientada a procurar o serviço de saúde se surgir uma lesão de pele parecida com uma espinha com pus”, ensina Ethel. 

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Enquanto esperamos os desdobramentos e avanços tecnológicos, diagnosticar e isolar rapidamente os casos é a ação mais efetiva a ser tomada. 

Do ponto de vista da prevenção individual, Weissmann elenca algumas orientações que diminuem o risco de contágio. Complementamos a lista com recomendações divulgadas recentemente pela SBI e pela Sociedade Brasileira de Urologia: 

  • Pessoas com monkeypox apresentando lesões ativas devem permanecer em isolamento 
  • Indivíduos que tiveram contato com casos suspeitos precisam manter vigilância ativa e se isolar caso surjam sintomas suspeitos 
  • Evitar relações sexuais ou contatos próximos com pessoas com lesões ativas 
  • Indivíduos com a doença não devem compartilhar objetos (copos, talheres, roupas de cama, toalhas) 
  • Limpar e desinfetar superfícies frequentemente tocadas, além de lavar com frequência as mãos 
  • Usar máscara cirúrgica ao se aproximar de alguém com lesões – que, por sua vez, também deve usar máscaras 
  • Evitar aglomerações, pois são ambientes mais suscetíveis ao contato físico próximo 
  • Reduzir o número de parceiros sexuais nesse momento
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